31 de jan. de 2014

imaginação e fantasia... (crítica/arte)






























imaginação e fantasia...


O trabalho artístico que apenas elabora uma fachada de equilíbrio é o da fantasia e este se afasta da imaginação porque esta busca ao contrário, o desequilíbrio. Assim como o trabalho da personalidade é diferente do trabalho da alma. Pois para a personalidade a mentira é que é convincente, o verdadeiro que me aparece é amoral e injustificável pela noção anímica. Este paradoxo é que alimenta o potencial criador de meus temas mitológicos. E para ser mitológico na minha tentativa insana de colocar toda mitologia possível toda vez em cada trabalho, preciso diferenciar sempre uma situação fantasiosa que a personalidade comumente fabrica, de uma outra condição anímica típica da imaginação poética. Como me lembra Gaston Bachelard:

“Não é raro reconhecer nessas imagens poéticas uma consistência particular que não pertence a imagens reunidas pela fantasia. Elas são dotadas da maior das realidades poéticas: a realidade onírica.”

Neste sentido, a realidade onírica nunca foi e nunca será dedicada apenas à formatação de uma moralidade como a fantasia pode ser, como a propaganda é. Deste modo, um dos temas que me inspiram é o tema primitivo da verdade que acredito é uma potência motriz destes movimentos da realidade onírica que invade o mundo seja qual for a condição do momento. O impulso desse tema se aproxima da relação que pode estabelecer a alma artística com as imperiosas e sublimes catástrofes da existência. Essa é a força inegável, verdadeira portanto, que realiza a intuição desse tema. Uma tragédia que é possível, e obrigatória, de ser vivida.









maioridade penal (crônica)




Um amigo me contou que numa viagem que fez, decidiu ir de ônibus para conhecer o interior do Brasil no nordeste. Desceu numa parada e viu dezenas de menininhas entre dez, doze, treze ou quatorze anos de idade. Todas de vestidinhos, arrumadas de festa, maquiadas. Ele deu risada porque entendeu que estavam brincando por ali, desviou-se delas e entrou. Quando comentou com o balconista do estabelecimento sobre elas o homem disse que não estavam brincando e que se não aparecesse cliente para um programa com elas, algumas delas não iriam nem fazer uma refeição nesse dia...

Pensa que menores envolvidos são, em princípio, aliciados, pois não podem ser responsabilizados. Mas nós brasileiros temos dificuldade para entender o que é um conceito do tipo de uma responsabilidade penal tutorada. E pensam que diminuir a maioridade penal é tornar adulto legalmente pra assumir a culpa e cumprir pena como adulto porque merece. Porém, 16 anos não é adulto em nenhum lugar no mundo civilizado. Por isso eu acho importante entender que apenas diminuindo a maioridade, da forma burra como fatalmente acontecerá no Brasil, os então menores serão responsabilizados por seus atos como se fossem adultos e, embora muita gente fomente a confusão citando que outros países fazem isso, mesmo tendo acesso a todas as informações, não é exatamente isso que acontece nestes outros países (fora claro as sociedades que ainda cortam mãos, apedrejam, furam olhos, chicoteiam, etc.) onde quando um menor comente um crime fica sob custódia rígida e responsabilidade total do Estado. É a responsabilidade do Estado que aumenta e não da pessoa.

Um problema surge principalmente no julgamento desse aliciamento de menores. Eu não entendo como fica. Ao responsabilizar como um adulto um menor de 16 anos, ou menos, sem que o estado assuma a custódia como seu tutor, coisa que deveria aumentar no Brasil e não diminuir, como ficariam as meninas e meninos menores nessa idade aliciadas para a prostituição? Seguindo essa lógica imediatista idiota do brasileiro parece que até mesmo a importância da proteção contra a pedofilia e contra a exploração sexual de menores corre perigo!






só idiotas torcem pra governo (flash fiction)



- Um governo deve ficar sempre sob suspeita...

- Não é um time de futebol que você pode torcer...

- Só idiotas ainda torcem pra um governo, seja este qual for...

- Porque o problema da torcida é que esta vai gostar até se o seu time ganhar roubado com um gol feito com a mão...

- E muitas vezes vai até mesmo comemorar essa proeza...

- É...

- É mesmo...









a melhor conexão (aforismo)






a melhor conexão, a mais rápida de todas e que sempre dá as melhores e mais completas atualizações ainda é a intuição...















meio kilo de Jesus... (miniconto)





-Por favor, meio quilo de pele de Jesus Cristo bem limpinha, mas sem aquele cheiro de mendigo. Ah! e uma porçãozinha de Clarice Lispector... aquela ali defumadinha, mas limpa bem a loucura. Hum... e também um Martin Luther King moído pra fazer de panela... não! não! sem esse exagero de sacrifício pelo próximo e pacifismo... mais... menos... aí! mais umas dez fatias de Joana D’Arc bem passada... sem esturricar. Gandhi! Gandinho assado! êêê... mais está muito magrinho esse ein? Agora me separa um pouco de consciência ecológica, torresminho de amor aos animais e um tanto de suspiros de Yogananda... meia dúzia de citações da Madre Tereza a granel... um tanto de versos ralados do Fernando Pessoa. Ah! Dois litros de ódio aos malvados que matam bois pra fazer as minhas sandálias, bolsas maravilhosas e os bancos do meu SUV... né gentem? pronto!





ali que estavas (poema)




Minha alma é cheia de nostalgia

Nostalgia de lugares que eu nunca vi

Meu coração é pleno de um ser melancólico

De uma tristeza por amores que jamais conhecerei

Andar pelas ruas de cidades onde poderia te encontrar

Não sei o que serias se não uma mulher

Um alguém qualquer que pudesse me dar esse silêncio

Ou um sonho que de paixão e brincadeiras dissesse

Como um daqueles jardins que ficam internos

Que só vemos se temos muita sorte

Que só entramos se por acaso esquecemos aonde íamos

E ali fico um pouco a sentir o sol do nosso antigo inverno

Procurando reconhecer uma lembrança tênue de tua presença esvaecida

Num cheiro vindo numa batida da brisa desse dia perdido na vida

Num relance vejo alguém que me assusta, mas que não me olha e se vai

E a sensação de novo torna e a memória aperta o peito e a garganta

O tempo pára de súbito e reaparece aquela solidão muda

Sou outra vez do mundo quando as palavras somem da cabeça

Desisto e também me vou porque não era mais ali que estavas










já morri (poema)




Talvez quando eu for sinta que deveria ter ficado

Quando voltar saiba que nunca poderia ter saído

Quando andar por aí eu lembre que ainda sonharia se estivesse aqui

Procurar os sentimentos de outras pessoas nos mesmos lugares em que vivi

Se vivi por elas ao trocar meus dias pelos seus

É solidão

Se perdi por esquecer o caminho que nunca me disseram existir

Já vou

Já estive aqui

Porém ainda me vejo perdido

Fugi muitas vezes desses mesmos momentos

Mas mesmo assim nunca duvidei

Nunca desconfiei que para amar é nada que tenho que ter

E se não-ter pode ser tenho-que-não-ter

A vida é vapor de nuvens e eu já morri






enganado ni seus olhos (poema)



Ainda estava enganado.

A paixão só existe dentro, funda.

Quando decido, noutro instante já adio.

Encontro um lugar para ela,

Mas não que seja ela que o escolha.

A ventania que nos toma de medo, dorme.

A morte de todos por todo lado,

Triste sabedoria moribunda,

Solidão dolorida e muda.

As cores, as luzes, as almas...

Ah! Eu poderia amar quem fosse,

Basta que um toque me acorde

Num sonho muito antigo.

Ah! Quanto mais eu procuro

Mais para dentro ela foge, divina!

Busco ainda a graça pelos teus cabelos.

Justifico meu encanto em tua íris.

Neste corpo tão claro e distante de mim.

Não é nisso, sei que não é isso.

Sou eu quem ama o que apenas em mim existe.

Sou eu quem olha e vê aquilo que quer ver.

Onde posso ouvir outra vez esse eco?

Quando alucino a sua aparição,

Grito para todos os lados e depois, cansado,

Acompanho o vento morrer no fim do dia.

Então escrevo alguns versos com os restos da fogueira.

Quando uma família não existe mais

É como algo que desata, que rasga.

Todos já sabem agora que daqui irão sozinhos,

Porém ficam calados a fitar o sol por mais um tempo.

Vi nos seus olhos aquilo que meu coração dizia







o certo (aforismo)





o pior nem é ver o errado ocupar sempre o lugar do certo... mas ver o certo ainda ter que aguentar ficar sempre no lugar errado...















deixa pra lá (aforismo)









nada daquilo que um cretino pode te dar será melhor do que deixar isso pra lá...








manu véi (poema)




neguinho me olha e já ignoranu mano véi

o máximo que eu vou conseguir na.vida.é.... catápapelão....
tô fudido.... us nego acha que eu sô de gangue violenta
na igreja eis já vem benzenu... e num é répi não isso aqui
ce vai ser tatulão famoso e eu? vou ficar chupando pica por aí..
cum sapo na mão? ahahahaha
minha esperança é minhas fia.... ahahahaah
cê vai pá londriu... dinemarques... rolandreis e o cacete....
cê vai pas alumanhe... coisa de lemani... francis... intalies... e eu?
nem sei... num to nem venu... nem depoimento eu ganho... ahahahahahahah
ano que vem a gente vê... sei lá.... deixa eu curtir o papai noel...
papai noel é meu amigo... babbo natale farabutto







28 de jan. de 2014

Hamlet brasileiro... (prosa poética)





seria somente eu a ser que é sendo ali porque eu sou o primeiro e quando os outros começaram a ser eu queria que todos fossem mas que somente eu fosse e serei aquele que é e se você sabe que ser é ser como eu sou e se você for assim também eu quero ainda ser de outro jeito de ser desde que todos sejam um monte de seres que são para que eu seja o único que é e será sempre o melhor ser sendo sempre aquele que sabe o que não deve ser sendo aquilo que você não foi e não pode nem tentar ser porque ser como eu sou é ser igual nem que seja outro que era e será como eu não tento ser e seja lá o que você for perto de mim não é ser como seria eu se fosse você do meu tipo de ser e todos sendo aquilo que dizem que são e que eu sou e sempre fui o único ser que pode ser o que ninguém ainda conseguiu ser e eu cheguei primeiro na hora de ser e o seu sendo que logo foi outro estado de ser que não merece ser o que eu já era antes de você decidir ser o que eu preciso seria em seguida o seu ser imaginário que você seja em seguida do que seguiu fosse tudo menos deixar de ser aquilo que me faz ser diferente dentro dos que são iguais e eu sou igual também mas tenho ciúme de que mais e mais sejam o ser que somente eu queria ser pra sempre sendo que ser e não ser ao mesmo tempo é a única questão e eis que já foi alguém que nessa questão não merecia ser outra vez mas se eu fosse sozinho eu não seria aquilo que eu quero ser sem ninguém mais sendo como eu sou e não quero que nada será questão nenhuma que não seja eu não sendo e sendo o que eu nunca fui ou seria se não fosse o que eu sou ou talvez quisesse ser...





27 de jan. de 2014

neo burlesco (crônica/arte)






Com suas raízes profundas numa expressão puramente espontânea, libertária, anárquica de uma criação artística maravilhosamente ingênua, a atitude poética do artista cênico Neoburlesco é a que mais ainda resiste, preserva e reinventa aquela manifestação estética imoral, não profissional, provocativa dos valores estabelecidos e completamente irracional, que é a única capaz de proteger e manter viva a imprescindível qualidade do devaneio e do delírio do artista. Este ato estético estrondoso, que mantém uma linha direta com uma das mais antigas formas de arte poética da humanidade, o teatro, é ao mesmo tempo dramático, exagerado, cômico, grotesco, sublime e, no entanto, extremamente humano, político e filosófico. É, por isso, uma das revoltas mais potentes contra a moralidade opressora do padrão moralista, da cultura de massa, da dominação e da homogeneização da imaginação humana em função da exploração e escravização de nossas idéias, nossas emoções e nosso corpo. A liberdade que a alma burlesca espalha para todo lado deve, sem nenhuma sombra de dúvida, arrebatar o processo criativo de todo artista verdadeiro. Como bem lembra Mikhail Bakhtin, a poética e a estética do burlesco é uma oposição real à uma espécie de “seriedade oficial”, unilateral e triste, que é sempre dogmática e hostil à evolução e às mudanças.





26 de jan. de 2014

habilidade (aforismo)





a habilidade é a prova da repetição... já a sensibilidade... provar pra quê?








as nuvens (poema)










As nuvens estão sempre em peregrinação

Na sua cadência religiosa negam estandartes

Seres místicos de toda uma vida abnegada

Seu deslocamento ritual é uma expressão sagrada

São viajantes e aventureiras que abandonaram tudo

Mas é de sua dança e vôo que todas as nossas idéias nascem

Quando passam em romaria para lugares secretos

Podemos ver as coisas do mundo em seus movimentos

Todas em algum lugar se encontrarão em silêncio

Porém sua fé explodirá seu pranto surpreendentemente

Algumas somente caminharão proféticas em deslizamento

Outras serão telúricas pregadoras de um apocalipse estrondoso

Tantas maneiras têm para andar em sua jornada santa

Com seus mistérios e dogmas de paixão e sacrifício

Saíram sem nada desejar e se desprenderam ainda mais

Só carregam agora o peso da alma

Em busca de seu templo em alturas infinitas

Sua brusca ascensão cede seu corpo em glória elétrica

No milagre simples de sua úmida beatificação

Nos abarcam monstruosas em nosso tempo de terror

Ou são a providência da revelação de uma paz inexprimível











homolixus (crônica/arte)





não gosto de falar arte... arte se tornou uma divindade, um orixá, um ícone... deixa ela pra lá... pois é algo que já se acredita tão puro que serve apenas para fomentar a fé nela mesma... gosto de falar artístico... artístico é processo, é artesanato, é humano e dolorido... faz parte da vida... bem... o processo artístico é subjetivo? é! o processo artístico pode ser então algo inconsciente? pode! e nessa irracionalidade pode ser coletivo? pode! e... sendo coletivo muitas vezes é anônimo não é? é! e aí eu sempre gostei (e não sou o primeiro) de encontrar por aí obras artísticas que aparecem do nada e são criações espontâneas, coletivas e anônimas... porque tem muito mais a nos dizer sobre nossa existência do que as obras individuais e nomeadas pelo egocentrismo pedante dos artistas... ao contrário são resultado de muito tempo e realizadas por muitas pessoas... um muro com uma textura sublime... um outdoor raspado e raspado que se transforma numa abstração maravilhosamente composta e de cores incríveis... pedras, canos, peças velhas ou galhos deixados num arranjo poético encantador e que revelam uma imensa história e simbologia dos atos e sonhos humanos numa única visão espantosa... esta obra aqui da foto foi a Isabella que encontrou e fotografou... achei muito forte e embora extremamente deprimente... somos nós... chamamos a descoberta de vários nomes... “a árvore da morte”... “a sarça reversa”... é a obra principal da nova humanidade... eu colhi seus frutos que revelam o mais atual ser humano... o homolixus...






24 de jan. de 2014

Trindade Primordial (artigo/estética)















A Trindade Primordial da Arte




Lux Umbra Dei (A Luz é a Sombra de Deus)






A trindade que intuo como princípio da realização artística tem a mesma qualidade das luzes primordiais. Estas literalizam o mundo visível. Porém, é imprescindível admitir que a luz que habita tanto o interior e o exterior dessa imagem é incolor. As luzes coloridas são parte do mundo imagético humano. Como alerta Goethe:






“As cores aparentes surgem com a modificação da luz mediante circunstâncias exteriores. As cores são estimuladas junto à luz, não sendo derivadas dela. Se as condições cessam, a luz torna-se incolor como antes, não porque as cores voltam-se para si mesmas, mas porque se extinguem, do mesmo modo que a sombra se torna incolor, quando o efeito de uma contraluz é retirado.”






O importante aqui é entender que a qualidade poético/estética que faz das três cores o princípio da possibilidade da imagem, deu a base para que eu imaginasse um conceito arquetípico, interno, que confirmasse a qualidade anímico/espiritual da situação de criação artística. Foi nesse momento que intui a possibilidade de uma trindade arquetípica para esses estados e processos de criação artística em que me dedicaria à reverência do instante, da Divindade.






Retomo a sugestão de James Hillman, “O espírito está nos picos, a alma está nos vales”. No cume mais visível está o espírito e nos baixios a alma, intuo, numa metáfora pessoal, a partir da trindade como metáfora do instante intuitivo criador, o azul do céu até a escuridão de sua profunda frieza infinita no vale da alma, o amarelo irradiante do Sol até sua brancura cega fervente dos picos do espírito e a consciência assombrosa do vermelho da existência sanguínea que é o instante. Esse fenômeno, evidenciado por Goethe na sua “Teoria da Cores”, que me provoca a imaginar minha própria mitologia da trindade espiritual da criação, pois tudo o que é imagem, visão, depende inicialmente da emanação dessa relação de luzes.

















verbo "publicitar" (poema)






eu não tô nem vendo seu otário
tu vai te fuder na minha mão bundão
ele nem tá nem aí com a bosta vacilão
nós queremos é teu couro curtido na soda
vós já caireis que nem mané tonto manezão
eles tão cagando e andando pra você xaropão


















estrangeiro imigrante (poema)







eu sou estrangeiro

imigrante do mundo inteiro

eu ando e ele gira

eu sonho e ele voa












23 de jan. de 2014

O puto bruto (poema)







Quando num tardio momento ingênuo e já órfão da ilusão
Percebermos o que realmente é tal monstruoso movimento
Um calafrio de espanto nos subirá pela alma num só tempo
Gritaremos roucos e aturdidos: outra vez não! outra vez não!


Mas naquele ninho fétido que prendeu nossa imaginação
Já estaremos prestes a sucumbir pela cegueira da tortura
Entregaremos ao seu carrasco sorridente tudo em loucura
Sem mais poder apertar nosso coração delicado na mão

Ali caídos em tamanha tristeza com a secura em nossos olhos
Veremos tudo aquilo reescrito e reformado sem nenhuma pena
Será nosso próprio sangue o novo estandarte da mesma rima

Será nosso amor novamente desperdiçado agora como barato lixo plástico
Será nossa honra estilhaçada nesse último e pitoresco pensamento drástico
Nas mentiras queimaremos antes no arrependimento e nem iremos aos fornos

















22 de jan. de 2014

fim do mundo! (conto pequeno)



quando eu era criança tinha um assunto desses de como seria o fim do mundo... uns falavam que agora seria de fogo... outros que seria de bomba atômica... antes tinha sido de água... e antes ainda de gelo... mas eu acho que o fim do mundo será num afogamento por milhões de opiniões... vindas de todo lado sem nenhum critério ou observação... um tsunami monstruoso de palpites cegos... encherá a face da Terra e também todas as cavernas de vozes gritantes sussurrantes... zens e irritantes... contra e a favor! contra ou a favor! a favor e contra! e miríades de letrinhas chovendo ininterruptamente por meses... anos... séculos! cairão todas com toda força num só segundo! de todas as fontes possíveis... caixa alta, negritas e sublinhadas... e sei lá mais o quê... numa febre insuportável em que a reflexão será extinta... em asfixia... vogais e consoantes... e trilões de três-pontinhos... virgulas e exclamações... assumirão uma correnteza de enxurradas de palavras frívolas e quadradinhos de power point coloridos jorrando! que derrubarão tudo... quatrilhões de livros, bíblias, mestrados e doutorados e pornografias... dos libertários bebuns aos ortodoxos enxaropados... com seus ensinamentos e certezas importantíssimas cobrirão a luz do Sol... arrasando com a capacidade de respirar livremente de qualquer ser vivo... dos que submergem, arrastam ou que voam...e os pavões da erudição, os que não sabem de nada e os boca de lata sairão numa dança pútrida trina na lama imagética palavrória fedorenta... no momento derradeiro em que essa besta hipócrita que é o ser humano abafará sem piedade qualquer último coração batendo... e será então o fim do mundo!










21 de jan. de 2014

abomino homossexuais... (comentário)









Eu abomino homossexuais, mulheres, negros, deficientes físicos, pobres, índios, motoqueiros, ricos, trabalhadores, vagabundos, heterossexuais, comunistas, democratas, quem bebe álcool, fuma cigarros, come carne, homens, abstêmios, anarquistas, modelos, brancos, patrões, professores, quem usa drogas, lutadores, manifestantes, revolucionários, vegetarianos, boêmios, militares, governantes, gordos, magros, budistas, católicos, judeus, muçulmanos, evangélicos, gente tatuada, ateus, crentes, policiais, artistas... seja quem for que não coloque acima de tudo o respeito e a proteção minuciosa à integridade física, emocional e mental do seu próximo em primeiro lugar... 













20 de jan. de 2014


obriga-nos a dizer! La Vie d'Adèle (crítica-cinema)



“O fascismo não é impedir-nos de dizer, é obrigar-nos a dizer.” Roland Barthes




Também é fabricar fascinação com poeira medíocre. Talvez por isso as duas palavras tenham a mesma raiz. Porque o fascismo é hoje um arquétipo psicológico e está por aí em nós todos, mas também sempre esteve, e seu trabalho mais eficiente é, e sempre foi, nos fascinar cegamente. É uma coisa diversa da imagem de um ditador gritando no púlpito e massacrando os outros. Esse é a apenas sua literalização máxima. Porém, mesmo esses tiranos enlouquecidos sabiam e afirmavam que os artistas eram os seus insubstituíveis arautos, pois, alguns destes são mestres em fabricar fascinação. 

Seguindo essa tradição de obrigar a dizer chegou ao ponto de que hoje em dia até a reclamação foi incorporada. É algo que já não está nem aí se alguém reclama, não dá a mínima pra nossa opinião. Descobriu isso... Para que reprimir? Deixa reclamar. É até bom que reclamem mesmo e até se fabricam canais especiais para a reclamação que nunca vão a lugar nenhum e que ainda instrumentalizam tais reclamações em função da sua própria propaganda. É a partir daí que podemos vislumbrar esse ‘fascismo arquetípico’ nos lugares mais insuspeitos. 


Nessa arte que produz a todo vapor e que nos obriga a amá-la sob a mira de metralhadoras de sensibilidade, emoção, amor, verdades e sexo explícito que foram roubados dos filmes de sexo explícito e rodados em ‘filmes de arte’? Os filmes de sexo explícito vão rodar o que agora? Esses novos ditadores do puro que se divertem ao nos ver reclamar como uns loucos espumando pela boca... Que nos fazem ver calada e diariamente que somos os últimos da fila, mas que nos obrigam a tentar ser os primeiros destas filas enormes de estréia, que fazem tudo menos nos permitir ver realmente o filme. Dessas novidades incríveis das caixas de sucrilhos. Que nos faz encontrar sei lá onde uma maneira de agüentar sua tortura e sua dominação asquerosa. Ao inferno com suas glórias fascistas que arrebentam as pessoas por aí!

Nesse filme "La Vie d'Adèle", por exemplo. A opressão da bondade e da suposta civilidade... Mas algo está trêmulo. Quem sabe se alguém estará aí para o que a menina disse nesta entrevista, que sentiu essa pressão sobre si, pois ela é também apenas um instrumento à disposição, como sempre fomos, e que reclame à vontade... Tanto faz. Mas aqui, neste detalhe ingênuo, está revelado tudo o que precisamos entender para além da presunção dessa grandeza transformadora inquestionável da obra sensível. Talvez a menina seja realmente a nossa heroína, mas não por carregar mais uma vez o fardo da tortura nefasta da estética fascista, dissimulada nesse arrojo já tão velhaco do filme, que com certeza ela nem mesmo percebe afinal. O fascínio do prêmio estabiliza tudo, mas, é nossa heroína por ter sobrevivido à sua estupidez absurda e revelado isso tão delicadamente para nos socorrer. Ah! Conseguíssemos realmente perceber o que somos forçados a fazer, o que somos obrigados a gostar e a aplaudir. 





nova torre de Babel desmoronando (crônica)



Gente! É muito saber e conhecimento acumulado em cada perfil de cidadão. Em cada uma dessas estampinhas de powerpoint. São tantas soluções ilustres a nos confundir que a gente até se perde e acaba compartilhando um quadradinho a favor da pena de morte pros menores de idade e logo em seguida um com flores e dizeres de caridade e amor ao próximo! É médico que cata a analogia da função dos antibióticos e aplica diretamente na reforma da moral e dos bons costumes. Contabilistas envoltos nas suas estatísticas e fechamentos de caixas escrevem manuais sobre a melhor educação. Psicólogos chacoalhando a teoria dos complexos na nossa cara a elaborar leis cada vez mais justas e fulminantes. Tecnoburocratas aplicando seus gráficos e simuladores na redenção de todos os traumas sociais goela abaixo. Juristas malandrões sem martelo rodando de toga e batendo forte no pandeiro seus velhos sambas melindrosos. Publicitários médiuns fazendo previsões certeiras pra qualquer necessidade ambientalista que apareça. Racistas convictos organizando sem medo a igualdade e a justiça social. Professores tentando ensinar e avaliar aquilo que nunca aprenderam. Criminosos organizados em partidos de poder paralelo com estatutos registrados no cartório. Craques milionários do esporte, heróis fenômenos da infância e da juventude, elogiando a frouxidão e a bagaceira. Pastores fundamentalistas fascistas cascas-grossas amparados pela manutenção de seus direitos republicanos legais. Tem até guerrilheira simpática balançando a cabecinha com discurso positivo tudo de bom na TV. E é um povo tão feliz, mas tão feliz, que ninguém ganha uma eleição se não conseguir ser o candidato mais sorridente. Um lugar onde antigamente tentar desenvolver qualquer pensamento crítico era ser derrotista esquerdista, porém hoje em dia se ousar fazer isso agora é ser um direitista pessimista. É a nova torre de Babel desmoronando. Só que aqui agora todo mundo entende de tudo e de qualquer coisa ao mesmo tempo e mais um pouco. É o país do futuro. E que futuro!



quem não é corrupto atire a primeira (crônica)




É o país do crime generalizado... E quem não for corrupto em nada que atire a primeira...

Há um grande perigo numa parte da mentalidade brasileira autóctone que é o desprezar o prezar, o valorizar, o manter, o elaborar, o desenvolver, o estudar, o aprofundar. Pra mim esse perigo é o que mais destrói nossa sociedade. A corrupção é horrível, mas quem não for corrupto que atire a primeira... Como bem reflete um amigo meu: já é uma questão de moral. Roubar é a nossa obrigação moral. Há uma moral brasileira que despreza o pensamento, o raciocínio, a iniciativa, a descoberta dos funcionamentos, a projeção e que acha tudo isso coisa de bobo. E está aumentando. O esforço pra ser melhor é coisa de bobo. Não se aprofunda um conhecimento, fica com “o que dá pro gasto”... Não se sonha em ser herói, sonha-se em ser malaaaaaaaandro. Ninguém quer mostrar algo melhor, em entender, mas fica o tempo todo apenas sendo contra ou a favor. Em falar e ganhar como quem faz, mas não fazer. Está também tudo uma bosta aqui, na nossa cultura, porque ninguém ensina ninguém de graça mais. O conhecimento e o raciocínio não são mais coisas do cotidiano. Os caras que “sabem” estão morrendo sem ensinar ninguém e ninguém nem percebe quem eles são. Tem que fazer um curso desses milhares por aí e ficar esperando o “professor” enrolar meeeeeses pra ensinar uma coisa que daria pra mostrar num dia e que talvez ele nem saiba o que é e também nunca vai admitir pra não tentar desenvolver junto com o grupo. Todo mundo quer ganhar pra si mesmo e quando sabe uma coisinha fica amarrando como se fosse um milagre. As universidades públicas estão fechadas em feudos que não entra e não sai nada de graça, somente pra curriola. Já estamos impotentes diante dessa bandolagem. Estamos no lugar do crime generalizado. Somos todos ladrões de alguma coisa. E ainda mais, pois, sempre se critica o pastor, o BBB, a Veja, a Globo, o Funk, o Pagode, o futebol, o senador e sei lá o que mais, mas quando a gente se esforça pra escrever e fazer alguma coisinha melhor por conta própria, pra variar, vem um curva de rio pingaiada, e seu conhecido ainda por cima, e diz: “você é um bundão metido a filósofo”. 






















19 de jan. de 2014

Iluminação Carburada (conto)







Iluminação Carburada – um conto biker dominical (adaptação livre)

Um motociclista em busca espiritual queria descobrir a chave da paz e da sabedoria (pra variar). Viajou muito pelo mundo até conseguir saber onde estava o mestre biker mais famoso de todos os tempos, pois disseram a ele que aí sim ele poderia alcançar o seu sublime desejo. Ao finalmente encontrar com o mestre biker nos arredores da cidade de Campinas, ele se apresentou e disse tudo sobre seu profundo intento. O mestre lhe disse que seria simples e bastava que ele fosse até a cidade de Mococa e depois voltasse e aí lhe contasse o que descobrira no caminho. O discípulo biker entendeu que o mestre já havia percebido o quanto ele era especial e lhe daria a chave da paz e da sabedoria sem muita complicação porque talvez o tal famoso mestre já percebera que ele nitidamente merecia tudo mais do que ninguém.

Era um lindo dia. Ele foi e voltou de Campinas a Mococa e tudo estava tranquilo e alegre. Quando chegou imediatamente o mestre lhe perguntou o que ele havia visto de importante na pequena viagem. Ele disse que entendia o procedimento do mestre e tal, mas que agora ele já estava pronto para receber a chave da paz e da sabedoria. O mestre proferiu em tom simples, mas mítico, que ele não havia entendido o que ele pedira e que deveria ir novamente à mesma viagem todos os dias, por um mês, pelo mesmo caminho e que depois disso feito deveria lhe dizer o que havia visto, realmente, de importante. 

O discípulo biker fez o indicado, embora já um pouco decepcionado. Depois do tempo marcado, voltou e relatou ao mestre que a estrada era bem cuidada, que havia boas pessoas morando e trabalhando pelo caminho blá blá blá... e que agora ele estava pronto e preparado, então, para receber a chave da paz e da sabedoria. O mestre, respirou profundamente e pronunciou calmamente as palavras explicando que não era nada daquilo e que ele pilotasse de ida e de volta novamente pelo mesmo caminho tantas vezes fosse preciso para ver se havia algo importante a descobrir e que não voltasse até ter alguma coisa verdadeiramente relevante pra lhe dizer.

Ele saiu, já muito contrariado, decidido a anotar e catalogar tudo e ter todas as experiências que fosse humanamente possível pelo caminho. Iria, desta vez, mostrar ao mestre, e de uma vez por todas, que ou ele mereceria ser digno de ter a chave da paz e da sabedoria não mãos ou então o quê? Bem, viajou pelo mesmo caminho, ida e volta, todos os dias, registrou tudo. Por anos e anos se esqueceu de tudo o mais e se dedicou a cada detalhe da estrada, das placas, das pessoas que viviam por ali, os buracos e dos buraquinhos. Tudo. Ajudou as pessoas, envolveu-se tanto com elas que fundou empresas, escolas e até mesmo religiões. Tornou-se uma pessoa importante e reconhecida naquelas cidades no caminho. Escreveu o que poderia ser chamado de um tratado completo sobre esse trecho e esse lugar e sobre tudo o que construiu. Tinha fé absoluta que nada havia lhe escapado desta vez. Décadas trabalhando, construindo e filosofando. 

Numa manhã decidiu que já era tempo de voltar ao mestre e apresentar tudo aquilo que ocorrera, o que ele descobrira e comprovar todas as obras que realizara. Entregou ao mestre os livros que escrevera, os registros do que construíra, das propriedades e das instituições que fundara. Diante do mestre prostrou-se de joelhos em demonstração de humildade e esperou a confirmação da conquista daquilo que desde o começo era seu unoco desejo, a chave da paz e da sabedoria. Porém, ouviu estarrecido o mestre lhe dizendo que aquilo era muito bom e que era tudo maravilhoso, mas que ele não havia pedido isso, e sim que ele dissesse algo importante sobre aquele caminho. O discípulo jogou tudo pra cima, rasgou documentos, pisoteou os livros e, imensamente desiludido, foi embora com sua moto numa velocidade incrível e gritando que nunca mais veria o mestre novamente. 

Desistiu da busca espiritual que o fez perder tanto tempo na vida por nada. Na estrada outra vez, de repente, a moto começa a tossir e para de funcionar redonda. Ele examina e imagina que talvez devesse ser o carburador que provavelmente estivesse entupido. Empurrou a moto até uma sombra no ao acostamento da pista, tirou o carburador pra limpá-lo. Ao olhar dentro percebeu que realmente estava muito sujo e lembrou que neste tempo ele deixara de dar manutenção em sua moto. Esfregou entre os dedos a mistura de borra de gasolina e poeira que fizera o carburador entupir, silenciou suas reclamações e se perdeu em muitas reflexões. Algumas horas depois levantou a cabeça. Viu o céu azul com algumas nuvens. As árvores. Pássaros, formigas, lagartos, flores. Tudo ficou intenso de um momento para outro. 

Do fundo de tudo o que cintilava agora na sua frente, ouviu um som manso de risos que vinham do outro lado e percebeu algumas crianças brincando num pequeno riacho alguns passos abaixo. Lembrou-se do primeiro dia e da primeira viagem que fez a pedido do mestre e entendeu num clarão que tudo sempre foi é e será apenas mais um dia no paraíso. Entendeu que era apenas isso. Que não necessitava de chave nenhuma porque a porta esteve sempre aberta, escancarada. Entendeu que essa consciência acontece assim de estalo e que não era necessário tempo nenhum para ver isso, nenhum esforço para ver isso. Que o único tempo que ele precisou foi o que ele perdeu sem perceber que não era preciso tempo para ver isso, pois, tudo sempre esteve ali na sua frente, e envolta dele, à sua disposição. 

A essa altura o mestre, que o havia seguido, encosta sua moto ao lado da dele. Ele escuta motor da moto do mestre biker, batendo em marcha lenta, que parecia lhe dizer: - “tá tudo bem... tudo bem... tudo bem... tá tudo bem...” O mestre então dá com os nós dos dedos de brincadeira na cabeça do discípulo e diz: - “Vamos até Mococa?”















18 de jan. de 2014

acidentes... (aforismo)




só espera de um acidente que este aconteça inesperadamente...









  

saudade do artista... (flash fiction)









E aí um dia, quando o artista subir naquela montanha e encontrar aquele que lhe promete tudo, em troca apenas da simplicidade que ainda tinha, nunca mais o encontraremos como antes. Será comprado pela realeza do mundo e ficará agora sempre distante. Acessível apenas para a riqueza e o luxo. E nossa emoção continuará, mas agora será confundida. Daquilo que antes recebíamos dele como partilha por aquilo que poderíamos ter se o alcançássemos a tempo. E assim trocamos o amor que talvez um dia sentimos, por uma dor delicada, um aperto no coração. Que daqui em diante será somente o que parece uma ilusão de saudade...


















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