16 de jan. de 2014

A idéia falsa sobre o processo artístico (ensaio)

















Há uma idéia falsa sobre o processo artístico que é imprescindível desconstruir quando assumimos a atitude revolucionária que é intrínseca ao próprio surgimento da arte moderna, o exato momento em que nasce o artista ativista, político e filósofo. A coisa mais importante é perceber que esse artista, até mesmo o julgado gênio artístico, na verdade mais potencializa seus próprios limites do que usufrui de dons mágicos e mirabolantes. O mais espantoso é que, olhando bem atentamente para cada artista e suas técnicas e o contextualizando em seu momento na sociedade da qual faz parte, veremos que muitas vezes são esses mesmos limites que tornam o desenvolvimento dessas técnicas algo inevitável, ou seja, a medida de suas escolhas técnicas está restrita a algumas possibilidades que são ditadas pelos seus limites. Uma proposta de educação estética, artística, não deveria então apenas organizar um “turismo das técnicas”, mas sim, um encontro poético sutil com os próprios limites de cada participante e com o exercício constante de potencializar esses limites em função daquilo que cada um de nós entende ser importante expressar ao mundo do qual faz parte.

O grande trabalho é se apropriar realmente de seus próprios limites, que afirmo são inexoráveis, ou seja, muitas vezes o artista é praticamente obrigado a seguir uma escolha por uma técnica, em função daquilo que o artista anseia profundamente dizer, ou melhor, o artista encontra uma técnica, e não, a escolhe. É o atrito deste movimento que cria o que chamo de uma técnica artística original. O processo não é verdadeiro, embora dominar algumas técnicas seja realmente importante, senão for desenvolvida, ou no mínimo almejada, uma técnica autônoma, mesmo que cheia de influências e referências, o que é perfeitamente aceitável e normal. É por esse motivo que esse trabalho de formação artística verdadeiro deveria expor em primeiro lugar essa observação aos interessados em desenvolver seu próprio processo criador e permitir e incentivar essa autonomia antes de exigir apenas domínio frio de algumas técnicas. 

Porém, em nossa sociedade, a instrumentalização dos talentos distorce, dissimula e silencia tanto essa qualidade específica desse processo, talvez em função de moldá-lo desde às embalagens de mercadorias descartáveis nas infindáveis prateleiras do consumo banal, até às embromações retóricas eruditas sem fim, ávidas pelo senso de controle e poder de muitos “professores de arte” espumam por aí sem nenhuma dó, que as pessoas, e a própria cultura artística, perdem até mesmo a intuição desse entendimento. Ocorre também corriqueiramente que, o que irá muito além da nossa ingênua ignorância, quiçá pelo nosso medo de ser excluído (por um lado das promessas do sucesso e das fantasias da fama, por outro de conseguir até mesmo um mínimo de sustento e sobrevivência), muitos artistas e educadores aceitam resignados continuar mantendo essa tradição do artista iluminado e da arte inalcançável com suas técnicas secretas e impenetráveis, silenciando essa necessidade primitiva de liberdade de execução, elaboração e expressão. 

Essa desconstrução dessa dissimulação é importante, pois, o processo artístico não é apenas uma característica de uma profissão, e precisa parar de ser defendido assim, mas sim, uma qualidade fundamental da alma humana. Ou seja, não é possível compreender a existência do ser humano contemporâneo, a sua maneira de viver, sem a elaboração da imaginação artística e de seus processos de criação. Sem que o ser humano desenvolva minimamente afinidade com esses processos artísticos, principalmente por aquela qualidade de potencializar seus limites, sua condição de imaginação será comprometida, pois não haverá os elementos primitivos que podem estabelecer sua profunda ligação com a vida poética e estética, e sua delicadeza de equilíbrio. Através dessa abordagem é que, como educador, eu organizo atividades em que, embora explorássemos algumas técnicas, o fundamental é encontrar seu próprio caminho no processo artístico se apropriando dessa técnica como meio de expressão e reflexão artística e não como um fim. 

Estas das fotos mostram o resultado de atividades artísticas em que, através de dois projetos com processos anárquicos de criação e manufatura, feitos totalmente pelos próprios participantes a partir de um pedido da instituição, pode-se ver uma placa para a instituição Direito de Ser de Campinas SP em 2004. A premissa principal sempre é esse foco no tema, no discurso da obra, como a mais importante conquista da arte moderna, e é este o primeiro passo no caminho de uma educação estética honesta, que ofereça aos participantes uma oportunidade de, não apenas desenvolver algumas habilidades agradáveis e divertidas com certeza, mas, indo mais além, onde possam possivelmente encontrar essa alma artística de toda a humanidade, a qual todos estamos impreterivelmente ligados, e tomar consciência do potencial que lhes está disponível neste mundo maravilhoso da imaginação. 











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