Por Uma Educação Poética
Acredito que duas questões são fundamentais na organização de atividades artísticas, principalmente em propostas de formação iniciais ao nos encontrarmos com as crianças e jovens. A primeira é que o melhor caminho ao universo artístico não é pela técnica, mas sim, pela poesia. Uma aproximação pelo teor poético das realizações artísticas, pelo cultivo da imaginação, vai gerar muito mais qualidade em iniciativas de formação cultural. A segunda é que o comportamento dos participantes não poderá ser enquadrado, digamos, numa ‘disciplina convencional’.
Neste sentido, e para definir este conceito, o lugar de excelência do evento artístico deixará de ser o museu e a admiração das pressupostas grandes obras, por mais estranha que pareça esta afirmação... e o comportamento deverá deixar de ser aquele proposto pelo ideal marcial. Porque aqui é necessária uma ruptura radical com estes termos. O aprendizado pelo museu é frio e sem sentido vivencial. É como o necrotério. É uma humanidade congelada. E a educação marcial elimina o erro, o devaneio, coisas que são altamente preciosas para o artista. Deve ser então uma experiência no cotidiano, não acadêmica. O aprendizado pela convivência com as possibilidades da imaginação diante do mundo imediato ao sujeito que se dispõe ao fazer artístico é o verdadeiro e único caminho. A técnica será aprendida um dia, mas algo deve definitivamente começar antes. Coisa que eu gosto de entender como ‘mestria’ e não como ‘aula’. É claro que não há necessidade de destruir os museus. Estes têm sua importância.
O lugar do fazer artístico é na convivência humana imaginativa consentida e convicta. Para que crianças mergulhem na imaginação artística é preciso existir uma experiência constante, mas nosso cotidiano está seco deste mundo poético-estético, e aí esperamos, então, forçar algo pragmático com as propostas que exigem apenas a produção técnica. Não funciona e ainda espanta esses ‘interessados convictos’, como alertou Maurício Tragtenberg.
Por este motivo apresento o diálogo espiritualidade/materialidade, poética/estética, como principal elemento da proposta artística, como a provocação de uma tensão filosófica e não apenas um conjunto de regras, normas, medidas e gráficos. Para a poesia, a cor sem nome, o peso dos objetos, seu equilíbrio resistente e a existência da matéria renitente à sua transformação... são os arautos desse submundo poético em que as intuições da ansiedade artística começarão a cristalizar esteticamente.
Não há necessidade de preocupação com técnicas aqui. Estamos anteriores a isso. Por isso esta proposta é negativa e transgressora. É um ‘não fazer’. Porque é somente neste estado que se fomenta a intenção artística. Sem intuição poética nunca haverá criação estética, por mais que se invista nas técnicas.
E por este motivo também que, durante as atividades, o comportamento não deve ser regrado pela obediência. Porque não é possível esperar uma formação artística contemporânea e exigir obediência moral no mesmo espaço. A questão artística não é moral e não é racional. Tentar isso é montar uma equação que resulta em nada. Quando apresentamos os processos do fazer artístico contemporâneo, quando realmente nos dispomos a apresentar os processos artísticos contemporâneos devemos entender que a transgressão é iminente. E então devemos compreender que esta tem seu papel no processo artístico, e preparar o espaço para receber as manifestações dessa transgressão, e não obrigar aos sujeitos a espremer sua imaginação num cubículo moralista de passividade inquestionável em que o processo artístico é banido.
Apresento estes conceitos em meu trabalho de mestrado em educação ‘Uma Visão da Alma Artística’. Essa minha dissertação espera oferecer uma alternativa às propostas tradicionais. Elaborei neste trabalho um esboço do que julgo são algumas das disposições atávicas da poesia e dos temas primitivos da alma, inspirado por escritos de Gastón Bachelard e de James Hillman, em que proponho como fundamentação dessa iniciação à intuição artística a reflexão sobre alguns elementos arquetípicos que julgo imprescindíveis ao artista ou, como eu prefiro dizer, ao imaginador.
Enfim, quando organizo uma atividade prática que pretende fomentar uma elaboração poética/estética, acredito ser importante não propor nada explicitamente, objetivamente. Por outro lado, sugiro um mote: “façam alguma coisa que não existe”. Com este pedido acredito que coloco o participante no âmago de seu imaginário através de uma inversão reflexiva que instiga a uma alteridade absoluta da criação, pois, ao tentar imaginar algo que não existe, penetro no cerne do movimento da própria imaginação, em um momento em que estaremos diante da possibilidade de descobrir intuitivamente como as questões artísticas inerentes à nossa situação na civilização contemporânea podem afetar nossa consciência imediata das coisas.
Poderemos, deste modo, encontrar diretamente nossas maiores ansiedades e elaborar o que é importante para cada um dizer ao mundo. É preciso permitir que sejam elaboradas estas ansiedades para que o tema do artista surja dele mesmo. Assim, colaboro e organizo as atividades para que estes temas sejam naquele momento a grande oportunidade do fazer artístico encontrar a intuição do instante poético.