12 de jan. de 2015

O sacro satírico... (crônica)





Uma dia eu estava a trabalhar na loja de molduras e havia terminado uma encomenda, uma bela imagem pintada de uma entidade qualquer que eu não reconhecera, e a colocara no lugar onde todas ficavam acomodadas (no piso sobre um pedaço de carpete e encostadas na parede) à espera da sua retirada pelo cliente. O proprietário da tal imagem chega e, visivelmente irritado e grosseiro, me diz: “escuta, esse é um desenho de Deus, como você me coloca Deus no chão?”... eu respondi: “mas é que me disseram que Deus estaria em todo lugar”... Bem, a sátira somente ofende àquilo que deseja se impor a todo custo, e o perigo disto começa porque os símbolos se tornam mais importantes do que aquilo que estes deveriam apenas representar; e é exatamente por isso, aquela negação da imposição, que aí se cultiva a resistência cultural que se espera seja a sátira. A sátira é a prova do sagrado, pois, já em seu primeiro movimento, o sagrado verdadeiro nunca poderia se sentir ofendido porque este é, a imensa capacidade de compaixão em não se ofender, a sua essencial, inerente, intrínseca, irrevogável qualidade de sagrado; isso o define, ou seja, naquilo sagrado a compaixão é, no mínimo, um trilhão de vezes maior que o rancor. Então, quem ou aquilo que se sinta ou seja ofendido, e por isto se impulsiona desde uma simples censura até, infelizmente, uma vingança desproporcionalmente letal (bom lembrar aqui que um embate entre sátiras já seria aceitável, louvado e maravilhoso) demonstra, em primeiro lugar, além de uma total e completa intolerância em nada espiritual e uma grotesca falta de talento, a imediata e conclusiva não sacralidade de sua própria expectativa e vivência. E esta foi, e prometem continuará sendo, a insistente denúncia heroica da sátira: “ei! seu símbolo não é sagrado... mas a vida é... se o fosse você seria compassivo e bem humorado ao contrário de censurador, vingativo e odioso... se você ama o sagrado que é a vida, antes de tudo, não me obrigue a matar ou a morrer assassinado por um símbolo, mas vamos viver por isso... vamos rir juntos.”