28 de jul. de 2016

mendigo santo.... (miniconto)




Sinal de nossos tempos inéditos, o peregrino incrédulo chegou onde tanto procurou, desiludido pelo mundo, onde se escondia o sábio depressivo... que desistiu de tudo. Este agora um mendigo e só não era mais mendigo porque sóbrio, não por vocação senão desgosto, era assim um homem santo... coisa que o próprio odiava. O peregrino então, entre uma bufada de saco cheio e outra, perguntou ao oráculo desvalido de qualquer nobreza secular: "Mestre ó mestre!"... "Quem?"... satirizou sem nenhum humor o mendigo santo nada estimulado. Continuou arrastando a voz o andarilho desalinhado: "Como resolver essa crise de hoje?". O molambo sacro ataca: "Crianças... convoque um conselho de crianças que nunca estiveram na escola... elas e somente elas o dirão!". Já sem nenhuma tolerância se joga na completa desorientação o maltrapilho peregrinante e grita: "Mas ó mestre do caralho! Se entregarmos isso nas mãos de crianças... o que elas poderão criar de problemas seria impensável! inconsequentes que são! tolice sua pobre mendigo idiota!"... O mendigo sábio engasgado, desterrado e enojado dos seres humanos responde com um mau gosto terrível: "Ah... sim... talvez joguem bombas atômicas? queimem pessoas? metralhem velhinhas? derrubem aviões? ou mesmo obriguem a outras crianças a serem assassinos impiedosos de si mesmas?"




25 de jul. de 2016

Canto noturno aos heróis... (poema)



Canto noturno aos nossos heróis...



Nunca serão nada além de alguns acidentes de acasos
Morremos muito mais pelas nossas próprias aventuras
Do que por essas suas baratas amarradas em bombas
Nesta sua triste decadência de vermes insanos e cegos


Diante da sua miséria e loucura inventamos a liberdade
Criamos um novo mundo de sua grotesca história obscura
Fundamos um indivíduo, com um destino e uma escolha
Já vencemos em nós esse ódio puro que é sua verdade

Ainda assim iremos satirizar, gargalhar, blasfemar e cantar
Rezar e esquecer Deus ou escrever o nome Dele nos muros
Faremos sempre aquilo que o nosso coração livre mandar

E desde quando os seus suicidas se explodem sem glória
Vemos sem medo um sinal de sua derrota neste seu terror
Apenas desespero final por saber que já é nossa a vitória



18 de jul. de 2016

sextas utópicas.... (crônica)



da série "sextas utópicas": porém... o melhor mesmo é ser tratado, e tratar os outros, como uma pessoa... antes de tudo as pessoas... esta é a única exigência que pode mudar, equilibrar ou controlar desde um desrespeito mútuo, passando por um simples preconceito individual ou segregação entre comunidades inteiras, até uma opressão social... e isso poderia bastar... e não exigir ser reconhecido por uma identidade qualquer; porque as identidades dividem, separam e provocam conflito, como é bem óbvio, já na sua própria gênese... seja as negando ou as afirmando, pois, toda identificação é fascista (o fascismo psicológico incorporado e cotidiano em cada um que Gilles Deleuze revela e não aquele fascismo histórico datado)... assim como são deste mesmo modo fascistas sem saber os que necessitam desta identidade a defendendo como um direito antes de defender o único direito que importa que é o de ser uma pessoa que aceita o único dever essencial que é permitir que os outros o sejam; é só isso que também permite que qualquer diferença exista... e nunca tentar proteger certas qualidades produzindo mais antagonismo entre estas; como escrevia Walt Whitman: "façam grandes pessoas... o resto vem depois..."

5 de jul. de 2016

acostumado ao sacrifício (poema)





Se essa hora fosse que deveste morrer
Saberias que sempre te encontraria
Em qualquer brisa ou redemoinho de vento
Que me desse essa sensação abandonada
Que nosso encontro em vida tinha
Amar é muito ligado ao saber-se morto, distante
O amor é o que sentimos desde que começamos a nos separar
O amor foi criado nesse movimento
Quando nos reencontramos, sentimos o que chamamos amar
Mas amar é o descanso de nossa eterna dor de nos separarmos
O amor é repouso, o amor é silêncio, o amor é espanto
Depois de tantas lembranças esquecidas
Se esta hora é a que devo morrer
Entrego-me, pois te amo
Estou pronto para sofrer tua distância, tua lonjura
Vais me encontrar agora no canto dos olhos molhados
Nos instantes iluminados por um sol que cega, seco
Entre teus sonhos esvaecidos
Naqueles lugares que só podes imaginar
Em teu coração tão acostumado ao sacrifício
No sentimento daquilo que de melhor eu pude fazer por ti