30 de out. de 2025

Nem Tanto Ao Mar Nem Tanto À Terra (crônica)

 


Nem Tanto Ao Mar Nem Tanto À Terra

 

Sócrates foi condenado à morte e morreu assim porque provou, de um modo ou de outro, que ser sábio em uma área não garantia automaticamente ser sábio em qualquer outra e ele tinha razão. Ouvi um juiz, muito bem formado na sua área e defensor da descriminalização das drogas, falando que o problema da violência se espalhando das favelas está diretamente ligado à proibição das drogas e que, se fossem liberadas, a violência acabaria do mesmo modo como não há violência na frente das farmácias que vendem pacificamente drogas legalizadas até mesmo mais fortes e viciantes do que os traficantes vendem. Para o bem ou para o mal, a guerra às drogas nunca resolveu nada mesmo, porém, nada nunca resolveu nada neste problema e aquelas tentativas que quase pareciam resolver, ou mesmo que resolveram superficialmente, nunca mostraram que é apenas não proibir que pode mitigar este imenso e complexo problema. A violência tem muitas raízes e muitos galhos e um dos seus antídotos, como já lembrava o filósofo e o julgador talvez esqueceu, é descobrir que a verdade é que só se sabe que nada se sabe da verdade, porque saber esta verdade é o que pode produzir uma ação verdadeiramente eficaz e não simplesmente comprar ou vender uma ideia acerca da verdade, em geral suspeitamente ligada a esta ou aquela disponibilidade de financiamento ou imposição de valores corrompidos e lucros escusos. É que, no fundo no fundo, talvez, o que se trafica realmente é o poder, sempre com os seus restos e migalhas caindo das mesas dos oligarcas da contravenção e disputados pelos vassalos delinquentes. E, mais ou menos talvez, o reino do poder seja esse mesmo, porque a sua matéria-prima é a miséria da servidão e sua principal ferramenta é e sempre foi, de alto a baixo, a violência. Porém, pelo sim pelo não, a proibição em si nunca é a causa direta da violência, há lugares onde há proibição e há até mesmo repressão e não existe violência deste tipo, na verdade, é a exploração desta proibição que a provoca, como um subproduto dessa luta pelo poder, ou algum poder. Aqui, nesta terra de ninguém, a verdade tem essa face inédita, insuspeita ao extremo, surreal. Nesta proto-sociedade, a corrupção é a sua própria economia espiritual e a ontologia de sua alma que, já penada nesta desgraça, é a de criaturas mutantes entre bestas e homúnculos. Todos são bonitinhos nas suas subculturas, desde os moleques loucos atrofiados e as minas diabas estilistas, passando pelos analistas de rabo preso com biquinho indignados ou os patriotas psicóticos berrando extasiados, os políticos bandidos paraguaçus, tanto os pau na mesa como dos aquendados, os ex-artistas revolucionários da elegância com carteira de ativos e casas pelo mundo, até uma polícia de psicopatas brincando de guerra antes de bater no relógio de ponto, mas, são tão ordinários e de tão rala humanidade, que nunca realmente conseguiram entender nada além de sua própria ignorância. Nada é como é aqui e, talvez, seja esta a sua grande verdade, esta violência na expressão de uma existência espiritual degradada onde todos participam, consciente ou inconscientemente, desde o cotidiano do com nota ou sem nota até uma imensa corrupção corporativa e institucionalizada, que domina tudo e a todos, fazendo do estado o seu cartório a legitimar a elite abastada, muitas vezes ovacionadas pelos seus servos sem eira nem beira. Neste sistema de relações criminosas todos são corruptos e, quando a corrupção é sistêmica e endêmica, onde tudo é tomado de assalto e mantido pela extorsão, o controle é necessariamente violento, pois é a violência em si mesma a base da fundação desta comunidade de interações anômicas. No dia a dia, as relações são entre os empreendimentos ilegais e esses chamados partidos ou comandos do crime são contratos terceirizados pela oligarquia das fraudes para fazer seu serviço sujo, desde os submundos mofados até os balneários luxuosos. O que é traficado e controlado nesses lugares miseráveis onde eclode essa violência absurda, assim como a venda das concessões de atuação criminosa em pontos que são alugados pela cidade para a escória do crime, é apenas o resto da atuação total de uma corporação da elite corrompida e corruptora, no topo da pirâmide criminal, que é aqui e ali reivindicado e franqueado pelos tais partidos como forma de pagamento pelos serviços prestados. O problema é que os cabeças desses comandos, mais dia menos dia, começam a ser muito ambiciosos, querer ascender na hierarquia, como conduzir juízes, polícia, deputados ou senadores e a exigir mais e mais em seu próprio benefício arriscando a quebrar a ordem hierárquica. Então, de tempos em tempos, a justiça, os políticos e a polícia são acionadas pela corporação criminosa oligárquica, que as controla assim como controla o próprio governo também, para entrar em ação abafando as rebeliões hierárquicas para manter os bandos criminais dos miseráveis no seu devido lugar de atuação. A violência surge mais aparente, vez por outra, como o único poder de coerção, reafirmando aquele instrumento intrínseco na busca por acordos de poder, subsistência e sobrevivência, seja para estes comandos e seus esquadrões de pobres coitados bandidos, seja o dos ricaços corruptos criminosos, ambos sempre criando o caos para vender a paz mais caro. Não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe nessa luta extremada entre classes de facínoras, de perversos e de sanguinários, onde um povo, se é que ainda existe aqui, é a tragédia de si mesmo.