21 de jun. de 2025

História da Alma da Arte (Curso História da Arte)

 




“Daí a função de uma arte aberta como metáfora epistemológica: em um mundo em que a descontinuidade dos fenômenos colocou em crise a possibilidade de uma imagem unitária e definitiva, isso sugere uma forma de ver o vivido e, ao vê-lo, aceitando-o, integrá-lo em nossa sensibilidade. Uma obra aberta enfrenta plenamente a tarefa de oferecer uma imagem de descontinuidade: pois não a descreve, é a própria descontinuidade. É um mediador entre a categoria abstrata da metodologia científica e a matéria viva de nossa sensibilidade; quase como uma espécie de esquema transcendental que nos permite compreender novos aspectos do mundo.” Umberto Eco

 

 

História da Alma da Arte

 

Proposta de Curso Intensivo de História da Arte - Uma Visão Semiótica

Por Fernando H. Catani - Mestre em Educação

 

 

Ementa: Curso rápido de introdução à história da arte partindo do senso comum da divisão em períodos. Uma aproximação semiótica da história da arte. A realidade do artístico e o mito da arte. A invenção dos períodos da história da arte. Uma aproximação não linear à história da arte. Proposição de um olhar poético-estético sobre a história da arte. As disposições subjetivas e objetivas, o signo, o significado e o significante, nos períodos da história da arte. A apropriação da história da arte para a compreensão da própria humanidade. Uma visão da alma da arte.

 

 

Apresentação

 

Educador, poeta e artista visual. Formado em pedagogia pela Unicamp. Com Mestrado em Educação (M.Ed.) nesta mesma Universidade, numa dissertação sobre algumas qualidades específicas dos processos de criação artística e da observação de obras de arte intitulada: “Uma Visão da Alma Artística”. Como educador/pesquisador, organiza atividades educacionais para o desenvolvimento de processos poético/estéticos de criação artística desde 1998. Estuda atualmente, inspirado num paradigma semiótico que orbita entre Bachelard, Hillman, Eco e Barthes, alguns arquétipos conceituais inerentes a esses processos de criação poética/estética e às obras de arte como um todo, organizados numa tese chamada “A Rosa de Seis Pétalas - Os Temas Primitivos da Alma Artística”. Apresenta-se aqui, além da introdução aos fundamentos da reflexão semiótica, uma tentativa de desconstruir as abordagens convencionais, positivistas e eruditas sobre a história da arte, em busca de encontrar uma forma intuitiva, fenomenológica e lírica que se aproxima do modo em que os processos artísticos factualmente se desenvolvem.


Justificativa


Os cursos de história da arte constantemente oferecem aulas que valorizam apenas uma linearidade do pensamento, a cronologia das datas, a hierarquia das obras, a notoriedade dos nomes dos artistas e a tecnologia da produção artística. Porém, raramente alcançam um dos mais importantes e fundamentais fatores do trabalho artístico: a sua alma, a qualidade que funda o processo do artista e da sua arte no seu tempo. Aquilo que cria a cultura e que se expressa nos seus temas poéticos e estéticos. Que é a essência da relação profunda entre a sua subjetividade e a sua materialização. Assim, a proposta desse pequeno curso é disponibilizar uma abordagem semiótica da história da arte, fenomenológica, que pode agregar novos e inesperados instrumentos intelectuais ao participante, para que este fundamente e amplie a sua capacidade de entendimento da importância da arte como o fator mais extraordinário da vivência, da criação e da compreensão das culturas, das civilizações e do ser humano, ao propor um viés que supera intensamente a noção de que a expressão artística é apenas um objeto de erudição, de deleite, de entretenimento, divertimento ou ostentação.


Desenvolvimento

 

Nesta perspectiva surgem algumas questões a serem apresentadas:

- Como se formam os temas subjetivos (significados) e objetivos (significantes) que podem ser encontrados nos períodos da história da arte?

- Como reconhecer estas obras (signos) na sua época através de seus temas poéticos e estéticos?

- O que essas obras têm a revelar sobre a substância anímica e a materialidade cultural de seu tempo?

- A formação do ser humano contemporâneo

 

Objetivo

 

Com a apresentação de um arquétipo, formado por conceitos, desenvolvida nessa aproximação aos aspectos semióticos do processo artístico, que se pode chamar de “disposições poético/estéticas da alma da arte”, oferecer ao participante a capacidade e a autonomia para a compreensão de alguns possíveis movimentos da imaginação, enquanto fenômenos da significação, e da construção dos temas artísticos, pela observação dos seus signos. Então, busca-se fundamentar uma oportunidade da visão da expressão artística no seu tempo e no seu espaço, através do exercício de reconhecimento de seus principais elementos poéticos e estéticos, tanto subjacentes como explícitos, pela compreensão da sua aparição em alguns dos mais importantes momentos da história da arte.

 

Metodologia

 

A duração ideal do curso é para um total de doze horas aula, desenvolvidas nas seguintes atividades:

- Palestras expositivas, discussões orientadas, visualização de imagens, pequenos trechos de textos escolhidos, trechos de audiovisuais e de filmes (é necessário equipamento de mídia disponível).

- Pequenas oficinas artísticas de desenho, pintura, colagens, fotografia, para cultivar a imaginação artística e o desenvolvimento da intuição poética dentro da proposta do curso (é necessário material artístico disponível: papel, lápis, giz de cera, pincéis, tinta guache, copos e paletas).

 


Bibliografia

 

ARGAN, G.C. (1992). "Arte moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos". São Paulo: Companhia das Letras.

ARGAN, G. C. (2005). "História da arte como história da cidade". 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes. 

BACHELARD, G. (1979). “A Filosofia do Não”. São Paulo: Editora Abril

BARTHES, R. (1971). “Elementos da Semiologia”. São Paulo: Cultrix

CATANI, F.H. (2011). “Uma Visão da Alma Artística”. Dissertação de Mestrado. Campinas: FE-Unicamp

ECO, U. (1968). “Obra Aberta”. São Paulo: Editora Perspectiva

HAUSER, A. (2000). "História Social da Arte e da Literatura". São Paulo: Martins Fontes.

HILLMAN, J. (1983). “Psicologia Arquetípica”. São Paulo: Cultrix

PLATÃO. (2010). “Teeteto”. Porto: FCG

TARKOVISKI, A. (2002). “Esculpir o Tempo”. São Paulo: Martins Fontes

VYGOTSKY(1999). Psicologia da Arte.São Paulo: Martins Fontes






Uma Coisa Que Não Existe (Curso Escrita Criativa)

 




“A poesia é uma metafísica instantânea. Num curto poema, ela deve dar uma visão do universo e o segredo de uma alma, um ser e objetos, tudo ao mesmo tempo. Se segue simplesmente o tempo da vida, ela é menos que esta; só pode ser mais que a vida imobilizando-a, vivendo no próprio lugar a dialética das alegrias e das dores. Ela é, então, o princípio de uma simultaneidade essencial em que o ser mais disperso, mais desunido, conquista sua unidade.” Gaston Bachelard

 

Uma Coisa Que Não Existe...

Proposta de Curso Intensivo de Escrita Criativa 

Por Fernando H. Catani - Mestre em Educação

 

Ementa: Oficina de escrita criativa desenvolvida através da exposição do processo de construção do poema e da crônica. O fenômeno da escrita na intuição semiótica. A importância da leitura e do olhar como instigadores do pensamento literário. A necessidade anímica e espiritual da escrita. A essência mágica da palavra. A aparição do verso livre. A coleta cotidiana da matéria prima para a escrita. O florescimento do mote e do tema. Os fundamentos da organização do texto antes da escrita. A materialização do texto bruto. A elaboração escultural do texto. O refinamento e a finalização do texto. O reconhecimento de si mesmo no texto final.

 

Apresentação

Educador, poeta e artista visual. Formado em pedagogia pela Unicamp. Com Mestrado em Educação (M.Ed.) nesta mesma Universidade, numa dissertação sobre algumas qualidades específicas dos processos de criação artística e da observação de obras de arte intitulada: “Uma Visão da Alma Artística”. Como educador/pesquisador, organiza atividades educacionais para o desenvolvimento de processos poético/estéticos de criação artística desde 1998. Estuda atualmente, inspirado num paradigma semiótico que orbita entre Bachelard, Hillman, Eco e Barthes, alguns arquétipos conceituais inerentes a esses processos de criação poética/estética e às obras de arte como um todo, organizados numa tese chamada “A Rosa de Seis Pétalas - Os Temas Primitivos da Alma Artística”. Apresenta-se aqui, além da introdução aos fundamentos da reflexão semiótica, uma tentativa de redimensionar as concepções e a capacidade dos participantes acerca da produção de uma escrita original. Partindo do poema, pela sua excelente qualidade instintiva, elemento fundamental para a subjetividade dos conteúdos literários, e circulando entre os elementos da crônica, que exercita outra fronteira importante para o texto, na sua qualidade intuitiva para a escrita objetiva, apresentando ambos para a compreensão do instante em que o texto se inventa.

Justificativa

Acredito que uma questão é fundamental na organização da escrita criativa, principalmente para iniciantes: o melhor caminho não é pela apresentação de técnicas, mas sim, pela compreensão dos movimentos do impulso poético que motiva o escritor. Uma aproximação pelo elemento poético e pela qualidade estética das realizações literárias, no cultivo da imaginação, vai gerar muito mais qualidade no aprendizado da elaboração do texto. Aqui é necessário dar espaço para que o iniciante exista. Por isso a importância do diálogo fenomenológico, espiritualidade/materialidade, poética/estética, como principal elemento da proposta artística, como a provocação de uma tensão filosófica e não apenas um conjunto de regras, normas, medidas e gráficos. A técnica, de um modo ou de outro, surge ou se adapta no momento certo. Por isso esta proposta é negativa e transgressora. É um ‘não fazer’. Porque é somente neste estado que se fomenta a intenção artística. Sem o impulso poético nunca haverá a realização estética e, por mais que se invista nas técnicas, o texto criativo não nascerá jamais.

 

Desenvolvimento

Nesta perspectiva surgem algumas questões a serem apresentadas:

- Como os fatos nos afetam literariamente?

- Como nasce o tema que nos inspira?

- Por que é o mote o guardião do segredo do texto poético?

- Qual é a necessidade do texto?

- Como começar a escrever um texto?

- Como nasce uma técnica de escrita?

- O herói da personalidade é a fantasia

- O herói da alma é a imaginação

- O herói do espírito é a criação

 

Objetivo

Possibilitar o entendimento de que a construção do texto integra em sinergia estes dois aspectos, o subjetivo e o objetivo, o instinto e a intuição, para assim instigar a escrita criativa na sua elaboração poética/estética e não apenas pragmática, tecnicista e mecânica. Demonstrar, partindo de uma aproximação aos aspectos semióticos do processo da escrita, que a técnica criativa é fruto da reflexão, pessoal e cotidiana, entre a teoria, aquilo que se entende, e a prática, aquilo que se faz, e não um produto que se pode comprar pronto, um molde que se pode forçar sobre uma realidade. Por outro lado, na sugestão do mote: “alguma coisa que não existe”, aparece um pedido que coloca o participante no âmago de seu imaginário através de uma inversão reflexiva que o instiga a uma alteridade absoluta na criação, pois, ao tentar imaginar algo que não existe, penetra no cerne do movimento da própria imaginação. Busca-se o momento em que estaremos diante da possibilidade de descobrir intuitivamente como as questões artísticas inerentes à nossa situação na civilização contemporânea podem afetar nossa consciência imediata das coisas. Poderemos, deste modo, encontrar diretamente nossas maiores ansiedades e elaborar o que é importante para cada um dizer ao mundo. É preciso permitir que sejam elaboradas estas inquietações para que o tema do artista, do escritor, surja dele mesmo.

Metodologia

A duração ideal do curso é para um total de doze horas aula, desenvolvidas nas seguintes atividades:

- Palestras expositivas, discussões orientadas, visualização de imagens, pequenos trechos de textos escolhidos, trechos de audiovisuais e de filmes (é necessário equipamento de mídia disponível).

- Pequenas oficinas utilizando a criação de colagens e exercícios de escrita, para cultivar a imaginação criativa e o desenvolvimento da intuição poética dentro da proposta do curso (é necessário material disponível: papel, lápis, cola de papel, tesouras, jornais e revistas para recortar).

- É previsto também a possibilidade da orientação sobre a produção dos textos dos participantes entre um encontro e outro via email, ou whatsapp.




Bibliografia

BACHELARD, G. (2007). “A Intuição do Instante”. Campinas:Verus

BARTHES, R. (2015). “O Prazer do Texto”. São Paulo: Perspectiva

BAKHTIN, M. (2011). "Estética da Criação Verbal". São Paulo: Martins Fontes. 

ECO, U. (2000). “Como se Faz Uma Tese”. São Paulo: Perspectiva

FREIRE, P. (1989). “A Importância do Ato de Ler”. São Paulo: Autores Associados-Cortez

HILLMAN, J. (1983). “Psicologia Arquetípica”. São Paulo: Cultrix

PROUST, M. (2001). “Sobre a Leitura”. Campinas: Pontes

TARKOVISKI, A. (2002). “Esculpir o Tempo”. São Paulo: Martins Fontes

    





 

14 de jun. de 2025

O Viço e o Vício (anotação)

 


O Viço e o Vício


"For canker-vice the sweetest buds doth love..." William Shakespeare¹


Na batalha entre os modelos uma visão suspensa é impossível. A consciência de escala é a única saída pacífica. Um modelo é em si mesmo um fragmento da superfície e, assim, enxerga raso e fragmentariamente. A escala é abrangente, polissêmica, complexa e diversamente profunda. Como nos diz o poeta: "os vícios mais apodrecidos amam as mais doces flores em botão". Alguns os veem como um desvio factual de caráter, intencional, pois esta é sua forma mais aparente, sugerindo modelos com seu elenco de punições como solução. Alguns outros já observam que no vício há uma dor, inconsciente, como uma característica fatídica que, porém ainda num olhar superficial, deve ser o objeto da análise e propõem algum modelo de mitigação e de sublimação da mesma. O que estas primárias aproximações não entendem é a perspectiva do próprio adicto dentro da escala humana, ainda o veem somente externamente, mas é importante que o próprio adicto um dia reflita, o descubra por ele mesmo e o diga. O tema central do vício, muito antes de um mau caráter ou de uma dor, embora se desenvolva neste um caráter ruído e um sofredor exaurido, é a decepção, como um desejo espiritual traído, uma aspiração falida, uma expectativa furtada ou um talento fracassado. O desprezo por si mesmo e por todos, toda essa dor e sofrimento é um emboloramento, é apenas uma pátina que se cria envolvendo esta decepção, ainda assim para protegê-la, porque é na própria decepção que está a essência da personalinade tentando o alinhamento com a alma, pois é somente o que um dia foi viçoso, mas que não foi cultivado, que deteriora em algo vicioso. Sendo que esse vício, na dor e no comportamento que provoca, é o esforço intuitivo e instintivo para entender aquela decepção, revivendo-a constantemente, na esperança de revelar à consciência qual qualidade anímica foi decepcionada. O vício é já a agressão e a dor em si mesmo, como resultado daquela decepção incompreendida. Então, para adotar aqui a perspectiva de escala, não se descarte nada e se comece perguntando o porquê do vício, depois o porquê da dor e, finalmente, se busque a pergunta que está no encontro com a pequena fratura anímica de uma decepção ignorada, de uma virtude que ali se perdeu e será redescoberta, que passará a ser uma parte realinhada, na salvação de seu sentido retomado na lembrança do exato instante anterior ao seu colapso, em que se revelará toda a delicadeza de uma alma que repreecontra sua vocação e seu destino.




1-"Sonetos" de William Shakespeare. Tradução de Jorge Wanderley (edição bilíngue, Civilização Brasileira, 1991. Soneto 70.





11 de jun. de 2025

Eco e Caos (crônica poética)





As paisagens contradizem as fronteiras, porque estas nascem para desonrar aquelas. Assim como uma mentalidade matemática pragmática exclui da vida uma consciência filosófica poética, esquecendo que a gênese duma racionalidade bruta reside numa irracionalidade destilada. Talvez alguma equação de convolução, na dialética eterna com uma expressão da estética, pudesse compreender esta espécie rara de relação semiótica quântica, carismática versus erudita, entre eco e caos, ou, para simplificar: o carma...





20 de mai. de 2025

A Soberania da Compaixão Flácida e A Ditadura da Sobriedade Hipócrita (crônica)




A Soberania da Compaixão Flácida e A Ditadura da Sobriedade Hipócrita


“O Buda, a Divindade, mora tão confortavelmente nos circuitos de um computador digital ou nas engrenagens de uma transmissão de motocicleta quanto no pico de uma montanha ou nas pétalas de uma flor. Pensar de outra maneira é aviltar o Buda, o que significa aviltar-se a si mesmo.” Robert Pirsig¹


O desentendimento humano atual não é mais pela incompreensão insuperável entre as línguas, mas pela mesma situação babélica, porém, entre os modelos ideológicos. Estes modelos se tornaram linguagens que já não se traduzem entre si, não mais por escolha, senão por uma identificação fragmentária que se autoimpõe a alienação, principalmente, porque a negação total do outro modelo exige que se afirme arbitrariamente o próprio modelo, perigosamente, incluindo todos os seus erros e as suas falhas. Esta condição turva uma possível visão suspensa, que somente uma consciência de escala, que pode ser entendida como uma perspectiva em que se observa a base verdadeira existente em todos os modelos, senão pela simples percepção da absoluta interdependência entre as pessoas, pela premissa filosófica de que a verdade é onipresente e pertence a todas as coisas, possibilitando a integração complementar destes numa ação complexa que superaria os entraves que bloqueiam a convergência entre os modelos. A partir da compreensão geral desta espécie de nova realidade cultural, um dos seus fenômenos muito preocupante, que é pertinente para o entendimento deste drama entre afirmação de modelos e a implacabilidade da escala, é em relação ao tratamento que se dá ao alcoólatra e o adicto, principalmente àqueles que acabam vivendo na rua.


Está cada vez mais comum ver pessoas defendendo e, muito agressivamente, ao lamentar os resultados do movimento antimanicomial, desejando a retomada da internação tipo manicômio como a melhor solução para moradores de rua alcoólatras ou usuários de drogas. E muitos destes mais intransigentes têm, aparentemente, um certo acúmulo de algum conhecimento e, é possível dizer, são letrados até. Ao mesmo tempo, muitos dos que discordam resolutamente sobre uma internação mais restritiva, o fazendo apenas superficialmente apesar da também aparente erudição, parecem não ter uma ideia muito clara do que seria possível fazer, efetivamente, além de tentar melhorar apenas paliativamente a desgraça desta população, mantendo os espaços de aglomeração sem nenhuma dignidade, distribuindo somente um mínimo de recursos, o que muitas vezes até mesmo contribui para o fomento de uma subcultura nascida do seu precário contexto social.


Há muitos casos de reabilitação através de programas de acolhimento que preveem afastamento temporário do convívio social, mas que não se limitam a simples espaços de confinamento e abandono, assim como existem programas abertos e sem previsão de internação, que são históricamente eficazes sem escorregar numa permissividade cúmplice e irresponsável. O problema é que, por vários fatores, muitas destas iniciativas de ambos os modelos, não funcionaram bem, o que hoje já é possível analisar, porém, os casos de programas mal aplicados, mal desenvolvidos, não deveriam servir para invalidar o princípio do trabalho de recuperação, de reabilitação e de reintegração em si. Quando se busca soluções observando a escala do problema e não apenas a crítica, a negação e a substituição de modelos que, fragmentariamente ideológicos, não polissêmicos, ainda não chegaram efetivamente ao menos a iniciar a resolver este drama social, seria fundamental se dedicar a equilibrar e integrar as propostas, entendendo as suas bases verídicas, num grande esforço para as convergir, pois, talvez se possa encontrar soluções mais efetivamente compassivas do que aquelas que, ou apenas permitem e aceitam a degradação ou tentam criar campos de concentração de exclusão.


É importante então buscar, antes de tudo e por princípio, a concordância e o consenso por um bem comum entre modelos e, ao contrário de refutar os erros e junto eliminar os acertos, acolher prioritariamente os acertos e desprezar os erros como a única maneira para que este movimento possa realmente existir. Assim, a própria energia dedicada ao acolhimento dos acertos faria mitigar a importância dos erros. Dois exemplos reais que provam esta possibilidade, um primeiro, numa iniciativa totalmente aberta e não prevendo afastamento social, é o fenômeno de Narcóticos Anônimos, NA, um movimento social global de recuperação baseado nos 12 Passos e 12 Tradições, oferecendo apoio mútuo a dependentes químicos sem distinção de droga, raça ou credo. Fundado nos EUA em 1953, que se expandiu para mais de 140 países, com milhares de grupos autônomos e autogeridos que operam sob princípios de anonimato, solidariedade e espiritualidade, promovendo abstinência e reintegração social através de reuniões presenciais e até mesmo virtuais, literatura traduzida em dezenas de idiomas e uma estrutura descentralizada sustentada por voluntários que não aceita subsídios externos. Outra experiência, esta dedicada a um programa que prevê internação, é a Simple Promise Farms, situada em Elgin, Texas, que é mais do que apenas uma fazenda em funcionamento, é uma proposta de esperança para pessoas em recuperação do vício em drogas e álcool. A experiência gira em torno da criação de um ambiente ativo e voltado para a comunidade, que inspira senso de responsabilidade e auxilia na recuperação. Combina métodos tradicionais de recuperação com abordagens inovadoras, como agricultura terapêutica e terapia assistida por animais, em parceria com a Ranch House Recovery e organizações locais. Essa combinação promove um espaço alternativo acolhedor, que não prevê um processo diretamente imerso na sociedade, porém, propício à cura e à transformação positiva. A iniciativa é dedicada a apoiar a comunidade em recuperação, onde a fazenda oferece oportunidades de hospedagem e trabalho significativas para aqueles em recuperação inicial e também assistência financeira para vida sóbria, saúde mental e atividades comunitárias focadas na recuperação com esforços visam capacitar indivíduos a fazer escolhas de vida transformadoras, até que esta pessoa possa se reinserir socialmente em segurança.


Tanto os modelos de intolerância irredutível ou os de tolerância complacente se embatem sempre nas suas abordagens, porém, ambos têm errado nas suas aproximações e o que elucidada esta reflexão é que o problema continua grande e constantemente aumenta. Na própria crítica de cada modelo ao seu suposto contraditório se revelam as incongruências de suas propostas. Por exemplo, na racionalização dos intolerantes mais endurecidos ao acolhimento, é frequentemente dito que este mantém uma tutela prejudicial, porém, é a sua própria ideia de afastamento total da sociedade que cria uma tutela absoluta. Já na relativização dos tolerantes, com a recusa intransigente da intervenção, acaba por abandonar ainda mais aqueles que, de uma maneira ou de outra, são impotentes na organização de sua vida pessoal e sofrem a imposição de um contexto brutal. Ou seja, ambos, ou até mesmo uma combinação dos dois elementos é que o que prejudica e atrasa a recuperação, a reabilitação e a reinsersão. Se os modelos são intrangigentes desde o início entre si e cada vez mais se repelem e se afastam, é exatamente este distanciamento que é o maior fator do fracasso de ambos, pois, torna insustentável a sua própria manutenção e existência, acabando por insistir exatamente naquilo que um ataca no outro, aumentando a profundidade das suas falhas, fomentando as suas contradições insuperáveis. Para melhor olhar esta dicotomia trágica, da condição já dramática deste contexto, permitindo florescer o espaço social e cultural para uma solução abrangente, talvez seja a aproximação pela compreensão da influência da escala sobre os modelos que torne possível entender o conflito profundo desta relação, pois a escala é, ao mesmo tempo, antes pela sua incompreensão, o que provoca a colisão dos modelos quando estes se alienam e, pela sua compreensão, o que disolve a contradição entre os modelos quando estes estão dispostos a tanto. Finalmente, aqueles dois exemplos mostram exatamente aquela observação da base de verdade que está dentro das duas situações, que é fundamental, pois até mesmo a constatação dos próprios erros é um movimento da verdade. Esta atitude de resgate do verdadeiro seja onde for é, por si mesma, a evocação da consciência escalar, que terá por impulso na sua própria força o vetor de transformação da crise modelar, ampliando e criando novas oportunidades honesta e humanamente comprometidas tanto com uma sobriedade compassiva quanto com uma compaixão sóbria.




Pirsig, R. (1984). Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p24






27 de mar. de 2025

O Batom de Sísifo (crônica)




O Batom de Sísifo...


"Assim como as grandes obras, os sentimentos profundos sempre significam mais do que eles percebem. A constância de um movimento ou de uma repulsão na alma é encontrada em hábitos de fazer ou pensar, continua em consequências das quais a própria alma desconhece. Grandes sentimentos carregam consigo seu universo, esplêndido ou miserável... Nenhuma moral e nenhum esforço são a priori justificáveis ante as sangrentas matemáticas que regem a nossa condição.” Albert Camus¹


Escalando os muros do absurdo, a radicalização de pretensas posições ideológicas somente alimenta ainda mais a intolerância que apodrece nos corações e mentes dos que se identificam pelos seus discursos, provocados pela comoção do pensamento². Nisto prolifera o antagonismo e não a compreensão. A tomada de consciência de uma piedade política no cotidiano, como explica James Hillman³, de que tanto é urgente, nunca veio nem virá através disto, porém, talvez será somente pela organização inteligente, coerente e espontânea que respeita o outro contraditório e que pode acontecer apenas quando este outro é uma peça essencial da própria expêriencia coletiva onde todos estão envolvidos. Muito da capacidade de tolerância vem do cultivo de algo inédito no conhecimento, vem do simples exercício de imaginar as possibilidades de uma aproximação entre antagônicos. Este movimento da imaginação, que é o princípio do processo artístico, provoca os sentimentos e o próprio pensamento, num campo seguro que permite uma espécie de simulação preventiva. A moralidade estagnada, o preconceito e o escárnio mútuo, que julga ser possível anular ou subjugar contrariedades, somente vai fazer com que aqueles que ainda estão em dúvida, aprendendo a viver, endureçam as atitudes, bloqueando essa imaginação, de um lado ou de outro, mesmo que não necessariamente desejem conscientemente que isto aconteça.


Desde os líderes políticos até as crianças e os jovens ainda com certa abertura mental natural, que estejam inseridos num meio que fomenta a intolerância, mas, de certo modo, percebam a problemática disso e comecem a desejar mudar, no entanto, por algum motivo, ameaças, insegurança ou ingenuidade, ainda terão dificuldade de negar o seu grupo, sua família, seus amigos (que honestamente, não é tão fácil assim) e talvez nunca encontrem um espaço para desenvolver deste desejo para uma ação. É quando as atitudes se tornam polarizadas demais, que fica ainda mais difícil para sair desse meio, porque as contradições acabam por fabricar uma barreira muito grande para que seja possível pular para fora. Assim, isto afasta cada vez mais estranhos que poderiam se encontrar. Fechados em grupos de identificação, mesmo aqueles que tentam se proteger desta mesma intolerância, ao repelir possíveis contraditórios, acabam por usar os mesmos elementos psicologicamente agressivos dos intolerantes. Então, seria este conflito pela supressão do contrário o melhor caminho? E aqui o que poderia ser feito para evitar isso?


No caso dos líderes políticos, essa polarização é sempre fomentada porque as lideranças assumem posições para defender interesses, usando partidários insanos que querem destruir tudo o que não lhes causa identificação, desde simbolicamente até mesmo materialmente, porque não sabem mais o que fazer com aquilo que julgam uma ameaça. Manipular e conduzir pessoas inflamadas por discursos definitivos, agindo cegamente, emocionadas de raiva é muito mais fácil. E ainda, se tudo der errado é possível prendê-las, usadas como boi de piranha, com um bom motivo aparente e assim retomar sempre o equilíbrio do controle e dominação. As lideranças políticas são testas de ferro que manipulam a polarização das opiniões, o fomento da intolerância, porque é através dessa polarização que sempre disputam, acumulam e vendem o seu poder, o chamado capital político, posto a serviço dos grupos que as financiam, consequentemente, para defender os privilégios destes grupos, associações do poder econômico, muitas vezes organizações criminosas. 


Quando se trata de anônimos, pessoas comuns atraídas para uma identificação qualquer, alguém pode pensar (pensar?) que hostilizar, ridicularizar e ofender quem defende idéias absurdas e intolerantes é a melhor maneira de lutar contra isso, mas, na verdade, isso não toca a consciência nem daqueles que são ignorantes deste aspecto e nem dos que querem sair dessa ignorância, ao contrário, somente serve como reafirmação perante aqueles cúmplices entre si e também acaba por reafirmar ainda mais a intolerância das posições contrárias. Assim, na busca por algo que possa resolver este problema, resurge sempre a velha utopia da educação redentora, que salva da ignorância, sempre enaltecida por aquelas lideranças ou pelas celebridades, que diz que se deveria ensinar a pensar, ao contrário de acumular ou decorar, para criar a consciência de tolerância, de coletividade, melhorar a sociedade.


Pode-se ensinar a pensar, porém, é impossível ensinar alguém a imaginar, a imaginação só se pode cultivar, é de essência desconhecida, atemporal e libertária, já o pensamento é, em si mesmo, uma pilha de fatos, acumulação de memória, tradição e passado, a matéria prima dos preconceitos, mesmo porque a grande maioria dos líderes intolerantes são extremamente bem formados e letrados, provando que a educação em si mesma não implica diretamente na formação de um ser humano melhor. Por outro lado, quando se busca por um movimento realmente capaz de transformar esta realidade das identificações, temos em Gaston Bachelard um caminho na sua fenomenologia da alma4, pois, talvez seja somente a imaginação que possa superar o preconceito intolerante e é muito intrigante que, por sua própria natureza inusitada, pois é uma nuvem de devaneios, a imaginação não cabe na educação e não é, de modo nenhum, um instrumento da educação, além disso, se a imaginação fosse realmente provocada para atuar sobre os processos educativos, estes muito provavelmente seriam desmantelados dos modelos que hoje se conhece. Isto porque o problema da educação não é numênico, mas fenomênico. A educação é resultado muito mais do que causadora. Acreditar que a educação pode mudar a condição que a inventou é incongruente, pois, aquela só existe na continuidade desta e, assim, transformar seu contexto seria se autodestruir. A questão é anímica, não é aplicar um modelo, reformar um modelo ou modernizá-lo, mas se render à escala e quem cuida da escala não é o pensamento, o modelo, mas a imaginação, a inventividade humana e não se pode prever o que a imaginação poderia propor ao encontrar o problema da educação.


A imaginação não é produto da educação, como o é o pensamento, ela produz consciência em movimento e a educação é um subproduto da cultura. A sua escala é pela necessidade, nunca pelo desejo. A necessidade é dinamicamente inédita, já o desejo é reincidentemente repetitivo. A inteligência de uma personalidade ideal, que agrega a imaginação e o pensamento, a escala e os modelos, só será coroada pelo ato da consciência, pela sobriedade e pela compaixão, numa concepção alargada do conceito expresso por James Hillman⁵, porém, nunca pelo acúmulo do pensamento pragmático e comovido, na defesa de identidades fragmentárias, senão pela libertação criativa das identificações. Quando desejamos ser livres, então, não precisamos pertencer a ninguém, a nenhum modelo, mas nesta admissão vemos que ninguém vai ajudar a subir a pedra mais uma vez, outra vez e mais uma vez, percebemos que estamos sozinhos e, talvez, seja este o melhor reinício, caro Sísifo.




1- Albert Camus. (1942). "Le mythe de Sisyphe. Essai sur l’absurde. Un raisonnement absurde". Capítulo: LES MURS ABSURDES, p18

2- Muito elucidativa a entrevista com um ex-neonazista sobre identificação e intolerância: https://youtu.be/d-g3Z8IWsdU?si=rL4lXkO7Aryuf9VY

3- "Político, segundo entendo, não implica em partidos políticos, mas em piedade política; sugere não deixarmos as implicações políticas das idéias tornarem-se grosseiramente inconscientes; que possamos admitir a parte política da psique e, assim, tomar partido político." James Hillman (in Paranóia, Editora Vozes - 1993 - p68)

4- "A imagem, em sua simplicidade, não precisa de um saber. Ela é a dádiva de uma consciência ingênua. Em sua expressão, é uma linguagem jovem. O poeta, na novidade de suas imagens, é sempre origem de linguagem. Para especificarmos bem o que possa ser uma fenomenologia da imagem, para frisarmos que a imagem existe antes do pensamento, seria necessário dizer que a poesia é, antes de ser uma fenomenologia do espírito, uma fenomenologia da alma. Deveríamos então acumular documentos sobre a consciência sonhadora." Gaston Bachelard (in A filosofia do não; O novo espírito científico: A poética do espaço. Abril Cultural - 1978 - p185)

5- "Dessa maneira, a personalidade não é concebida tanto em termos de estágios da vida e de desenvolvimento, de tipologias de caráter e funcionamento, da psicoenergética direcionada a objetivos (sociais, individuais, etc.) ou de faculdades (vontade, afeto, razão) e seu equilíbrio. Em vez disso, a personalidade é imaginativamente concebida como uma drama vivo e cheio de gente no qual o sujeito "Eu" toma parte mas não é nem o único autor, nem o diretor, e nem sempre a personagem principal. Às vezes, está em cena. Muitas vezes, as teorias de personalidade acima revistas podem exercer seus papéis como ficções necessárias para o drama. A personalidade saudável, madura ou ideal irá, então, mostrar que conhece a sua situação ambígua e dramaticamente mascarada. Ironia, humor e compaixão será a sua marca, uma vez que estes traços indicam uma consciência da multiplicidade de significados e destinos e a multiplicidade de intenções incorporadas por qualquer sujeito a qualquer momento. A "personalidade saudável" é imaginada menos sobre um modelo de homem natural, primitivo ou antigo com sua nostalgia, ou sobre um homem sócio-político com sua missão, ou o racional burguês com seu moralismo; mas é imaginada em contraste com o background do homem-artista para o qual imaginar é um estilo de vida e cujas reações são reflexivas, animais e imediatas. Este modelo não pretende, obviamente, ser literal ou isolado. Ele serve para enfatizar certos valores da personalidade aos quais a psicologia arquetípica dá importância: sofisticação, complexidade, e profundidade impessoal; um fluxo de vida animal que desconsidera conceitos de vontade, escolha e decisão; ética como dedicação ao artesanato da alma; sensibilidade à continuidade da tradição; a significação do patologizar e do viver nos "limites"; reações estéticas." James Hillman (in Psicologia Arquetípica, Editora Cultrix - 1983 - p89)






19 de mar. de 2025

O Karma do Cassino... (crônica)



O Karma do Cassino...


Porque são especulações disfarçadas, lacunas ideológicas e elucubrações retóricas como a alma do jogo sujo do poder e da luxúria da dominação. Apenas provando ser o mesmo em uma alternância de fantasias falsas de liberdade para os tolos iludidos, onde alguns se vestem como o arco-íris da diversidade e outros como milícias de sobrevivência, enquanto nada além do velho blefe de um punhado de cartas de baralho marcadas, sobre fichas de apostas feitas do esqueleto da morte e do fedor da miséria. Todo este ilusionismo de ameaças incompreensíveis e até mesmo os ataques reais destas guerras que antecedem o blefe genocida do mercado negro e da grilagem, têm sido há muito tempo uma estratégia e tática onde a política é usada para movimentar a especulação de valores, porque a estabilidade não causa perdas e ganhos violentos em apostas da roleta financeira. Tanto faz quem é o preposto que chamam de líder político, é um grupo de jurados de um conselho fundiário/rentista, no conluio entre o poder oligárquico e o capital corporativo, que estará sempre no comando e esses croupiers de eleição só animam o carteado rifado das fofocas para vender sua capacidade em agregar a alienação e a servidão. Até mesmo os críticos deste embaralhamento são instrumentalizados, pois ao se manterem no nível do discurso polarizado, seja para denunciar ou tomar partido, apenas reafirmam a estratégia da elite agrária e financista que sustenta a alternância de identificação, nestas rinhas ideológicas. É um bingo de axiomas, um paroxismo endêmico, um contexto ontológico que induz ao erro, à perda, à escassez e à falência. No qual o desequilíbrio preenche todo o espaço anímico, porque existir neste infortúnio passa a ser a única maneira de não romper a malha social e movimentar a exploração de uma estrutura econômica que exclui o certo, o honesto, o justo e, assim, torna-se vital numa cultura de corrupção espiritual.






6 de mar. de 2025

Mais Útil ou Mais Inútil... (crônica)




Nada é mais útil ou mais inútil do que a ordem...


Só se pode comparar ditaduras em suas aparências, de uma maneira maniqueísta, mas isso não é exato e é desastroso porque pode esconder muitas novas manifestações tirânicas ainda embrionárias. Além de que, como estranhamente se pode notar atualmente, acusar o inimigo de tirania tem sido o primeiro passo para justificar o autoritarismo. Ao contrário de comparar totalitarismos históricos, já que a comparação em si é também uma ferramenta arbitrária, melhor seria entender como estes nascem. Na verdade e contraditoriamente, a gênese é o positivismo e isso deve ser reconhecido hoje, inclusive para elucidar esta sua contradição conceitual que criou o monstro que previa amansar, como um fenômeno ontológico, que pode se manifestar em qualquer pessoa, pequeno grupo ou grande instituição. Qualquer movimento individual ou coletivo baseado em uma mentalidade afirmativa tende a se transformar em uma entidade que busca destruir uma oposição qualquer e, em última instância, acabar com a liberdade ao seu redor e então, em seu furor distópico, autodestruir-se ao aplicar sua moral irredutível a si mesmo.




26 de fev. de 2025

O Picadeiro de Extermínio (crônica)




O Picadeiro de Extermínio


Muita gente se engana com a máxima da propaganda atribuída ao nazismo, aquela de repetir uma mentira muitas vezes até que se torne verdade. Porém, o nazismo nunca mentiu. Ao contrário, o que a máxima parece querer ensinar é que uma verdade deve ser abusada tantas vezes quanto for necessário. É bem diferente. A sua dominação é pelo abuso e não pelo engano. O abusador manipula dúvidas honestas e não cultiva certezas mentirosas. O abusador não mente, ele desmente. E deste movimento purgou o seu mais novo exemplo no vídeo em IA que fala sobre a transformação de Gaza numa riviera cafona e promíscua onde os cadáveres das crianças palestinas talvez ainda estarão soterrados. E a coisa mais assustadora dessa nova mídia é como a morbidez das imagens que inventa, essa sua fantasmagórica substância sem alma, potencializa semioticamente uma nova relação orgânica entre essa psicologia patológica do novo absolutismo, que mais uma vez se apropria e abusa do verdadeiro, assim como de muitos ingênuos amantes do verdadeiro que cooptou, com um também inédito hiperpositivismo político extremo. É tão assustador e veloz em sua ininterrupta produção de contradições absurdas, propositalmente como uma tática política ainda não compreendida, produzindo a maior quantidade de interfaces de significações possível, até que se torne impossível refletir em tempo real sobre sua gênese, porque o real assim como o verdadeiro foram aprisionados, são agora reféns neste seu movimento estratégico, sob esse fenômeno monstruoso. Este novo fascismo não mais se exibe na encenação da sobriedade brutal, da afirmação do ódio e da frieza assassina, mas agora, vestido numa fantasia de palhaço, não deixa mais rastro nem provas, porque só está brincando, apenas vociferando numa cacofonia incessante de um humor sarcástico que nunca mente, mas que desmente tudo o que faz ou não faz o tempo todo.



https://www.instagram.com/reel/DGhfpgHsOg6/?igsh=ZTBvMHBhNTEzZ3Ns


23 de fev. de 2025

O Aceno de Hitler (crônica)




O Aceno de Hitler


É um sincretismo estético/político que busca colher uma emoção latente, de uma identidade dilacerada tentando ressignificá-la, reagrupando-a e sublimando atrocidades que são reconstruídas como apenas erros do passado, de que a culpa seja esquecida. Não é o que se alega ou a volta deste na mesma forma, pois é impossível, mas apenas uma estratégia que retoma um impulso de organização, resgatado de uma ideologia em escombros em que a única coisa que lhe restou foram seus emblemas puídos e suas relíquias enferrujadas. A saudação é apenas uma isca semiótica, usada porque não há nenhum outro gesto que tenha o poder de convocar a mesma potência, é um símbolo arquetípico de uma lenda étnica. Mesmo que num risco imprevisível, a ansiedade é por aproveitar o desequilíbrio sócio/cultural que o chamado progressismo financiou, porque calculou apenas as particularidades, reorientando uma força coletiva que reage a uma transformação inevitável, mas que também calcula mal apenas em generalizações. São movimentos da mesma dominação, um manipula a tragédia humana pela mecanização de seu destino, o outro, a dissimula na organicidade de seu esquecimento, mas ambos a inventam juntos. Não há um confronto entre essências estranhas, mas um embate no interior de sua existência homocêntrica. O que resta ao caçador de nuances, das especificidades e o aventureiro da polissemia é entender onde está a gênese do autoritarismo, de sua brutalidade e, já que é este o que causa tanta apreensão, não apenas ranqueá-lo em suas aberrações, numa infindável troca de acusações em que a única honestidade possível é a acusação da desonestidade de um outro desonesto. E este vem antes de qualquer manifestação ideológica, pois, está aninhado numa qualidade humana instintiva, que é a base de todo pensamento afirmativo, que se autodenomina aquele que defende uma verdade pura, irrefutável e que, mais dia menos dia, passa a impô-la. Na afirmação dos racionalismos impiedosos e identitários, em detrimento da intuição anímica, este movimento já está instalado mesmo antes daquele renascimento do progressismo medíocre ou deste conservadorismo melancólico. Um propõe o resgate para avançar e o outro o avanço para resgatar. O perigo, talvez, se é o que realmente interessa, intrigantemente, pois, como se fosse possível algum perigo maior daquele que já se vive atualmente, não seja tanto a volta dum horror conhecido, já condenado, mas, não saber o que de absurdo, ainda inocente, possa nascer disso tudo.





21 de fev. de 2025

Addirittura Anche le Ferrari Mordono... (cronaca)





Addirittura Anche le Ferrari Mordono...

Di tanto in tanto, alcune razze di cani, generalmente forti, grandi e con funzioni straordinarie, sono state stigmatizzate e perseguitate per gli incidenti in cui sono rimaste coinvolte. Questi meravigliosi cani sono come delle Ferrari, decisamente non adatti al laico. Chi siede in una Ferrari deve essere un pilota e non solo un guidatore. Il fatto che qualcuno sappia guidare qualsiasi auto non significa che sarà naturalmente in grado di guidare una Ferrari, sono necessarie conoscenze e una formazione molto specifiche. E non basta semplicemente amare le Ferrari per credere ingenuamente che sarà facile dominarle. Oltre ad amarle, bisogna sapere di cosa sono capaci e quali sono le esigenze che impongono. Il problema storico di queste razze potenti si pone nel contesto di una società in cui le persone (siano esse proprietarie, cittadini o legislatori poco informati) si assumono la responsabilità di qualcosa che non sono in grado di comprendere e/o controllare, a causa della mancanza di profondità, competenza o addirittura carattere. Nel contesto attuale (forse è un'idea da dare) per vivere con un cane performante ed esigente, sarebbe necessario un corso base obbligatorio per il padrone, così come sarebbe consigliabile per guidare una Ferrari...





9 de fev. de 2025

O Polvo Déspota (crônica)





O Polvo Déspota


A alternância de governos ruins é um projeto meticuloso da elite rentista; termos curtos e ineficientes mantêm esperança no reinício de mandatos opostos, zerando as responsabilidades, arregimentando ativismos polarizados e inconscientes na instrumentalização das eternas promessas que nunca se realizam. A culpa pelos infortúnios do mandato vigente é sempre colocada na incompetência do mandato anterior, na interdição golpista e tirana da oposição atual, que impede a implementação das soluções necessárias. Enquanto um representante caudilho sempre atua num tipo de ombudsman de si mesmo, numa autoabsolvição constante, declara-se impossível fazer o possível, perpetua-se a especulação de uma quebradeira intermitente provocada e a exploração de uma escassez perene cultivada.





28 de jan. de 2025

One Bad Turn Pleases Another (chronicle)




One Bad Turn Pleases Another...


The Oscar is crap. And it's only good when some really great actor/actress snubs the award, like Marlon Brando or Woody Allen, or some great film manages to win over the powerful as an underdog, like Fernanda Torres herself would be if she win, even if she won't snub anything, especially because she's always been corrupted by the mainstream, she's never been politically revolutionary, neither her nor her mother, because revolutionaries never win, only always lose, often their own lives. But then trying to minimize one of the worst racist stereotypes in the history of television, made by a rich white girl from Leblon, who has already apologized for how horrible it was, by demeaning a black woman as a dumb, deformed maid with a whip in her hand? Comparing this disgusting thing to a gigantic character from an Etan Cohen script, which shows the greatest satirical/philosophical critique of blackface, believe it or not, since Spike Lee's Bamboozled? And more, comparing yet another cinematic characterization, which may even be a bad product, of a black woman as another black woman, to pay tribute to one of the most important black women in the history of humanity, the queen Nina Simone? Seriously? And still wanting to justify and minimize the mess by saying that at the time the conceptually weak book denouncing structural racism had not yet been released? This way it will give room to soften the Elon Musk's Nazi salute, another bougie-ass.





23 de jan. de 2025

A Crônica Abandonada da Demolição (crônica)



A Crônica Abandonada da Demolição


Eu nasci num teatro, mas foi durante uma tragédia, a da sua destruição. Porém, na sua agonia, eu vi os grandes cara a cara, das coxias inventadas, dos camarins improvisados, da entrada pela rua de trás, enquando o Don Quixote bêbado, meu pai, refazendo tudo num tablado de mesas de bar, tentava salvar o palco. Para mim, criança, eram como eu, só que maiores. Estavam brincando, nunca duvidei que aquilo era onde tudo começava. Mas dos entulhos, tudo se danou, acabou, nas nuvens de chumbo. Num dia, alguns anos depois, sentei pra ver uma entrevista, porque adoro entrevista. Era uma repórter novinha, ela estava ansiosa e eu também. A entrevistada seria uma das divas do teatro brasileiro. Num ponto, a mocinha jornalista juntou coragem e pediu para a matrona que desse uma mensagem para os mais jovens, os amantes do teatro. Foi um dos dias mais tristes das entrevistas que eu via. Ríspida, a rainha disse que desistíssemos, abandonássemos nosso sonho idiota, de amar o teatro, de continuar tentando, que fôssemos fazer qualquer coisa outra, porque do teatro nossa ilusão era inútil. Hoje entendi, é porque a vaga do sucesso, da homenagem, dos recursos patrocinados, estava já destinada, como herança da nobreza e não como cultura popular. E nós, ainda estamos aqui, sem exílio, sem troféu, ficamos pela estrada, da decepção empoeirada, onde teu senhor do engenho nos roubou até as luzes da ribalta e nos resta, então só, a ti princesa, admirar. No fundo, só existem duas coisas, o que era de todos e o que é apenas exclusivo. Mas, nos resta a identificação. Nada mais fundante do domínio do mal que a identificação. Pois, sua gênese não é a violência, esta é o seu produto. A sua semente, donde nasce, está em todo lugar, é o que dá uma face à idolatria, do privilégio ao privilegiado, somente a sensação; demolindo do bem a sua disseminação, a equanimidade, da sua vida no dia a dia. E agora ali chegaste, protegida e apadrinhada. Mereceste, sem dúvida nenhuma, mas a excelência, talvez, é preciso lembrar, não seja feita só do mérito, pois, se talento fosse sinal de caráter, o demônio, este sim, teria as chaves do céu...





6 de jan. de 2025

Melhores Poemas (coletânea)


1


A pátria derradeira

É a errante saudade

E desta não há exílio

Nem haverá anistia

Donde nunca se refugia

Nem se pode renegar

Carregado de riqueza

Não se parte nem se prende

Não espera ou se despede

Nem retorna ou a censuram

Nada passa e avança e continua

E a única lembrança nômade

Tal passaporte e aduana

Contrabando e sentimentos

Esperança dos olhares fixos

No horizonte e céu e território

Do vento que atravessa e corre

Da campina do cerrado e mar

Deste coração pendido e trêmulo

Na esquecida balada daquele hino

Surdo descompasso de um bumbo

Do silêncio rasgando tal bandeira

Deitado em solo morno decompõe

Já não almeja nenhuma liberdade

Que revolução finda da memória

Ancorada na madrugada e no poente

Tudo será história neste antigo poema

Enfim dum corpo e duma ausência

Serão agora ambos mesma substância



2


O sujeito

Sujo

Da submissão

É a sujeição

Do ser subjetivo


O objeto

Abjeto

Da objeção

É o óbito

Da abnegação



3


Só o perdão viaja no tempo...



4


O coração

Antes da mente

O fato

Antes do pensamento

A imaginação

Antes da ideia

A intuição

Antes do cálculo

O amor



5


Me disseram assim

Que teu nome é Vega

Foi o que me disseram

Eu não sei como te chamar

Não disseste coisa alguma ainda


Não conheço uma palavra tua

Para o que de ti daqui vejo

Me dizem outras coisas mais

Que és estrela e isso nem sei

Não dizes nada quando te olho


Sei que és o que sinto outra vez

Uma centelha não sei talvez

Fico triste da distância

Acho que é distância mesmo

Outra coisa que andam falando

É que vejo a tua luz antiga


Se te penso linda

Como estás agora

Onde és de teu hoje

No que és para mim

E que nunca sei nada


Sonho depois olho

Olho e depois sonho

Sempre daqui te vejo

E passas tímida

Em silêncio tênue


Do que me resta daqui

Não és nada pra saber

És só esta delicada visão

Pequena e maravilhosa graça



6


A maior aventura de um poeta

Nesta terra de ventanias de entulho

Nem é de escrever dessas estranhezas

Mas de manter esse toco de vela aceso

Sem apagar esses pobres devaneios

Durante estes dias de enxurradas

Porém porque é como é e tem é

Como foi desde que tinha bem

E ficar com essa matula de mendigo

Louco rosnando e alucinando

E fazendo casinha na chama assim

E escondendo a migalha das formigas

Até que um dia seja o dia dos pardais

Espantar, assoviar, bater as asas

Cruzar o mar e se outro voltar, voltar

Voltar de barco voando zoando

Sonhar e sonhar de rio e correntezas

Cantarolar até que o foguinho apagou



7


Por maior a perda

Mais injusto o roubo

Mais triste a traição

Nunca darei uma gota

De água ou uma faísca

De luz de sol ou mesmo

Uma pitada de adubo cru

Para cultivar o que promove

Nem uma ideia que insinue

Um botão de nefasta daninha


Para esperar e porque creio

Quando meu devaneio prostrar

Deitado no chão o desencanto

Saberei a origem da suave onda

Deste imenso alento e puro afago

Que livra dessa fumaça e sombra

Para nunca me afastar dessa graça

Chuva fina na sementeira de poemas



8


As nuvens estão sempre em peregrinação

Já sua cadência religiosa negam estandartes

Seres místicos de toda uma vida abnegada

Seu deslocamento ritual é uma expressão sagrada

São vigjantes e aventureiras que abandonaram tudo

Mas é de sua dança e vôo que todas as nossas idéias nascem

Quando passam em romaria para lugares secretos

Podemos ver as coisas do mundo em seus movimentos

Todas em algum lugar se encontrarão em silêncio

Porém sua fé explodirá seu pranto surpreendentemente

Algumas somente caminharão proféticas em deslizamento

Qutras serão telíricas pregadoras de um apocalipse estrondoso

Tantas maneiras têm para andar em sua jornada santa

Com seus mistérios e dogmas de paixão e sacrificio

Saíram sem nada desejar e se desprenderam ainda mais

Só carregam agora o peso da alma

Em busca de seu templo em alturas infinitas

Sua brusca ascensão cede seu corpo em glória elétrica

No milagre simples de sua úmida beatificação

Nos abarcam monstruosas em nosso tempo de terror

Ou são a providência da revelação de uma paz inexprimível



9


Às vezes, na beira da pista, no acostamento... Teu silêncio outros poucos segundos impera. Isso não é nada do que imaginamos. Já não conseguimos mais viver sem o que imaginamos. Ontem, na margem do sonho, no devaneio... Tua desgraça me lembrou um poema. Bruto. E duma solidão imensa, sem vozes, o som do teu coração me calou. Outra vez. Agora, na ribanceira, a poeira se cruza com a dor da luz do sol. Seca. Sofrida. Surda. Vocês têm lá suas desculpas, mas ele não existe. Nada existe. Mudo. Profundo. Os passarinhos sumiram? Não se pode escutá-los cantando. Os bem-te-vis? Qualquer outro? E isso não é nada. simplesmente nada. Os heróis que morrem são somente mais outras vítimas. O tempo... É quem sobrevive. E a grama ainda falta preencher aquelas falhas...



10


Se choro essa gota de lágrima

É pela minha fraqueza solitária

Que de leve é tocada numa faísca

Nesta infinita vida em destruição

Não há como compreender nada

Desta tão rude e imensa presença

Que de modo e lugar nenhum dirá

Além do mesmo silêncio de sempre

Sempre secreto de um modo tão ínfimo

Me arrebenta e enamora e abandona

Uma dentro da outra é seca e deserto

E que é a visão desse viver e dessa solidão


Se sorrio esse lapso de alegria

É pela morte de minha pequenina noção

Que numa inquieta brisa de perfume

Desta incrível aparição de firmamentos

Tudo se explica num segundo apenas

Nesta delicada e minúscula ausência

Que alardeia seus rumos aos gritos

Pelos quatro cantos e ventos do mundo

Sempre embriagada e dançando agarrada

Me agrada e beija e abençoa

Uma fora da outra que é montanha e tempestade

Que é o espanto desse morrer e dessa união



11


Já fugiste das serpentes

Naufrágios, vendavais e canalhas

Já cantaste boêmia na tristeza

Na ingênua despedida

Na descabida homenagem

Canhões e cavalaria

Pobreza, ninharia

Cantaste a natureza

Venceste a desonra

Vandalismo, a moral e a justiça

A casa chovia mais dentro do que fora

Fora tua vida tão rápida

Quase um delírio

Enquanto um segundo de devaneio

Perda, quase é teu nome do meio

Cicatriz, lembrança e sacrifício

Nos resta aquilo que murmuraste

Meias palavras

Intenções e tentativas

Arrependimento e uma música esquecida

Torto, tosco orgulho

Esperanças e teus pequenos sonhos

Esperando o ônibus

Com aquela sandália velha

A sola era de cortiça

Na chuva de verão

Rabiscando teu caminho

Aquele teu poema inacabado



12


Pó de tempestade


No início era o Verbo

O Verbo era o Caos

Como diziam, o Paraíso


No dia daquela última noite

Que ninguém soube quando

Ele expulsou também os poetas

E assim separou o Caos do Verbo


Feitos dos elementos da natureza

Uns trovões de furacão

Outros nascentes escondidas nas florestas

Alguns apenas rastro de lesmas

Outros estrondosa foz de cachoeira

Noutros nada mais que gota de orvalho

Ou então luz de nuvens carregadas

E vão como rios desembestados

Alguém mais que é pouca pedra seca

Ondas gigantes ou um só cristal de neve

Ou cinza, poeira, vapor ou névoa


No início era o Caos

O Caos era o Verbo

E ali Ele disse


Cada Palavra Será

Explicação Em Si Que Carrega!


Jogou-os de tal modo

Por todos os cantos

E lhes disse mais ainda

No mesmo instante


De Uns Fiz Grandes

E De Outros Segredos

Muitos Serão Conhecidos Por Todos

E Tantos Nunca Serão Ouvidos!


Condenados então foram

Sem mais avisos

A amar o que faziam

E não o que poderiam fazer

Portadores de uma alma eterna

Sem nada saber

Por único destino

Manter a abnegada amizade

Entre a Água, a Terra, o Fogo e o Ar


E num último berro Ele estarreceu a todos


Um Só será Pelo Outro

Nunca Morrerão Meus Poetas!

Senão Cada Um Por Autodestruição

No Vício Solitário Ou Na Guerra Entre Milhões

Se Sucumbirem A Cobiça, A Inveja, Ganância ou Ambição...

De Ser Um Outro Que Não

Aquele Que São Naquele Que É!



13


Ó grande árvore

De flores amarelas

Tombaste hoje

Lentamente e cuidadosa

Sozinha


Mutilada e humilhada

Os apressados

Atarefados desatentos

Nunca honraram

A tua sombra

E o teu amor silencioso

O teu sacrifício


Por fim

Num último gesto

Ainda deixaste

Essa tua madeira rústica

Lenha de esquentar...

Cepo

Incenso


Agradecemos por tudo

Ó digníssima!

Acácia...

Teu frescor

Teu encanto

Pólen, rumores, perfumes

Sonhos e esperanças


Agora será tua nostalgia,

Tua lembrança e teu vazio

Esta é a vida, tu disseste...


Todos os teus

Agora prestam reverência reunidos

Musgo, caracol, lesma e gavião

Bem-te-vi, andorinha, gambá e ratazana

Cambacita, pardal, maritacas e lagartixas

Crianças, terra, lodo, formigas, abelhas...

E o poeta vagabundo que dormia

Sobre a relva que nutriste...



14


Amar só é possível onde impossível é só amar...



15


O silêncio é denso

O barulho um solvente

Andar nele é forçoso

Não suspende se mentem

Os medrosos das lembranças

Viciaram nesta substância

Fugindo da saudade


O feminino obriga a poesia

Pra nela somente pensar

Quando de perto passear

Só se escreve o que é dela


Algumas cidades são poemas

Outras apenas um áspero dilema

Na distância viviam apaixonados

E do que era raiva longe evapora


Os novos amam as mulheres

Os velhos as cidades e a fé

Quando ela é cheia de correria

Corta a intuição dos versos lentos


Se é andando que está seu ritmo

Em cada palmo das suas curvas

Floreada toda a vida das rimas

Se pode apertar entre desejos

Se pode até cansar os pés


A força do poeta é o mote

Mas há quem não se toque

Andando de passadas na noite

Floreiras, ruelas e segredos


É sonhada que seria delicada

Talvez um dia se encontrem sim

O velho que quase foi seu trovador

E a mulher que era uma linda cidade


A cidade que ama, beija e abraça

A poesia... velha e cansada

Onde nada... o nada... onde nada...


De caminhadas e o seu amor

Se esqueceu da estrada no fim

Chegou... e lá estava a sua amada



16


Aquela poesia infantil

Florida e pueril

Do ainda intento inconsequente

Simplesmente

Quase imperceptivelmente

Na mesma sombra e reflexão

De um encontro tão delicado

De um tênue suspiro sobrenatural

Que numa saudade

Sem mágoa, sem agonia

Não espera mais nada

Sem nenhuma outra atenção

Pequeníssimo arrepio de sorriso

Ou um curto lapso de emoção

Entre almas de crianças

Ao se encontrar numa ínfima

Instantânea e mútua vibração

Como nos antigos pedidos

Das provas de amor ingênuo



17


Amante das plantas

Que podem ser esquecidas

Dos cachorros com coragem

Que andam sozinhos pela vida

Dos gatos que pulam da escuridão

E caçam a própria comida

Das jararacas e das onças

E andorinhas que voam só de ida

Samambaias, daninhas, cactus e um gavião

Entre as pedras flores de campo com pólen

Pedras pontiagudas entre margens floridas

Tristezas, sorrisos, saudades e um coração

Daqueles dias e da solidão da paisagem

Ermitão dessas lembranças rupestres

Na velha ventania ondulando as margaridas

Em nada do que seja de estimação

Nada além dum olhar de silêncio selvagem



18


A alma dorme nas esquinas

Nos cantos dos olhos

Em vultos de lembranças

Tudo num instante silencia

Ao longe alguns piadozinhos

Ilude e divaga e acalenta

E o mundo perde as fronteiras

E no entre do sonho e um susto

Ouvi alguns daqueles gritinhos

Meninas... meninas?



19


Quem do sonho delicado cuida

Nunca o mundo pouco espia

Vigia uma miséria sobre o real

É da própria alma um tesouro


Quem é de uma vigília atenta

Sonha na riqueza do espírito

E quando retorna desse alento

Foi ungido num ritual escasso


Num tanto de mendigo bêbado

Num quanto de peregrino casto

Numa sina de um trapo humano

Uma só senda de homem santo



20


Jurema ardente


Ainda que corres desnudo

Entre desgarrados, no anil

Pelos braseiros, dos paus

Cruzes santas, nos brasis


Triste berço, em teus braços

O tênue desmaiado, dopado

Desta tua sarça macunaíma

Tuas deidades, dum espanto


É assim na parca dignidade

De uma aldeia já calcinada

Então almejado, por nação

Solitário, nesta fé deflorada


Não tecerás mais teus sonhos

Nem esperanças, teus rumos

Serás deserdado, desalmado

Amaldiçoado... lugar nenhum



21


O poeta é um catador

Das sobras do mundo

Dos dias e das noites

Dos restos dos sonhos

Dos cacos da memória

Que já ficaram pra trás

Suas delirantes estórias

Como sempre dramáticas

Ou simplesmente sublimes

Da água, terra, o ar e o fogo

Rascunhos doutro apocalipse

Ranhuras do exílio desiludido

Nunca ninguém quis acreditar

Nestes seus ingênuos poemas

Até que a todos fizesse lembrar

Dos velhos brilhos das estrelas

Das flores que marcaram a rota

Nos caminhos perdidos da volta



22


Oração da noite adentro


Desiste desta Tua perfeição

Desacredita daquela redenção

Esquece esta absolvição épica

Dos trovões e nuvens se abrindo

Com os clarões e os mortos vivos


De Teu sagrado silenciamento

Não reclamamos nem um pouco

A justiça cega, surda e ausente

Não blasfemamos em nada

Da Tua paciência conivente

Não ousamos duvidar

Deste realejo da salvação

Do rocambole de futuro eterno

Fogo no vento, cavalos e cavaleiros

Deste desperdício na miséria

Desta míngua nesta fartura

Da Tua obra de beleza canibal


Porém que um mínimo então urge

Antes de toda a parafernália final

Que menos disto um clamor inocente

Ilumina agora um ínfimo instante

Que seja só uma lasca de chama

Senão um cisco de uma farpa

Da menor fagulha que Te sobrar



23


As crianças e os velhos

Vivem numa poesia de través

Um poema holograma

Um pedaço é o mesmo que o todo

Elas pela esperança

Eles, a saudade

Naqueles quatro metros de grama

Uma floresta...

Aquelas são antropólogas

Estes, arqueólogos

Naquele pequeno monte de areia

As crianças

Escavavam a encontrar diamantes

Que lhes enfeitariam os cabelos

Os velhos

Prendiam um punhado de ouro

Que lhes escorria entre os dedos...



24


A Maré do Mundo


Quando o teu espanto desperta

Na imensidão que a ti rodeia

Sobre esta tua solidão sem medida

Só o coração é que navega sem medo

Vai com a vela estufada da imaginação

O remo levado bem firme pela vocação

Que nunca trai, amotina ou acovarda

Quem jamais abandona o seu posto


E neste pequenino bote que te foi dado

Que atravessa nesta névoa profunda

Depois das revoltadas águas do nadir

Das tormentas da noite indomável

Chega então a mansidão do dia celeste

Da delicada e morna nova aurora

Neste sol eterno que te acalenta



25


O coração

É um marinheiro

Nos infinitos

Do peito adentro



26


Reverbo


Antes era a solidão

Porque nada sendo

Sumisse na névoa

Vivesse das brisas

Cantasse no trovão

Voasse pelos mares

Sempre à deriva

Nenhuma pegada

Vontade alguma

É tudo agora porque

Dizia o que fosse

Foi... naquilo que via



27


O bushido de Tyke


A vi uma única vez, numa primeira imagem, desfocada e brutalmente triste. Soube depois que seu nome quer dizer criancinha, mas também alguém que não se comporta de uma maneira geralmente aceitável. E eu sei, ela estava certa. Continuei a ver só até não suportar mais, bem logo depois do seu primeiro e único olhar. Na sua bravura e desespero, alucinadamente livre, em seu desassombro derradeiro. E ela me disse ali de toda a minha miséria humana. Com sua morte heroica e em seu urro de glória ancestral eu entendi toda a sua majestade e, num lapso de espanto, quem eu sou, o que eu nunca fui e quem eu jamais serei...



28


O mundo a que pertence

As suas sombras úmidas

A memória nítida de um dia

Quando o fogo era sagrado


Dos tempos destes sinais

De tribos de guerreiros puros

São tristes pátinas fósseis

Lugares duma infância perdida


Dança pagã das iniciações

Moradas do espanto atávico

Glória das ávores guardiãs

Dias absortamente vividos


Falsas estruturas românticas

Sedimentos de vidas distantes

Reescritas momento a momento

Ruínas dum quilombo de anjos



29


Alétheia de Hipátia


Quando este seu único e verdadeiro amor acaricia com essa maiêutica pública e constante a que não consegue se negar. Por fim a obriga minuto a minuto a morrer, comо morreu o seu como de muitos único herói, o veneno que deve tomar é o conhecer do desprezo ingênuo de seus amigos, é porque também escolheu a ignorância como a sua sabedoria. Serenamente aceitar a inútil ilusão de que alguns correriam para alertar, que poderiam reverter uma sentença milenar que é imposta àquele que não vai se esconder, que não vai deter o sacrificio a que seu espírito. O obriga e, muito mais além, não vai deixar de desvelar sua própria insignificância aos quatro ventos que voam sem parar da boca de sua mãe pagā.



30


A janela é a capa do long play

A esfera é quando sai o gol

Os olhos o lago do azul do céu

O coração o cálice sagrado graal

A solidão uma cidade cheia

A saudade é a chuva fina

A felicidade um nó na tristeza

Aquilo tudo é o que se foi

Nada mais é o que ainda falta

A Terra gira quando a gente anda



31


Nada é mais popular no mundo do que o futebol, as eleições e alguém que canta. E o povo adora poesia; e o poema não é certo nem errado, moralmente, felizmente ou infelizmente, sabe-se lá. De um sucesso quem canta, escutem atentos, se canta bem ou mal, se difícil ou fácil, quem dirá? é por ser, geralmente, se os agrada ou não, da canção... o melhor refrão. Até num sufrágio desses, vejam bem, bom ou mau... quem ganha, finalmente... ganha por ter, se os agride ou não... o mote mais forte. E olhem... o que são os gols,normalmente, por grande exemplo? nada mais que, perfeitos ou tropeços, se os alegra ou não, um encadeamento de versos...



32


O último desejo do poema moribundo

Que de anunciação seria agora epitáfio

Foi ser compreendido em seu instante

Intacto na anatomia dos seus versos

E que fosse inútil dissecar as rimas

Sendo a causa de um outro efeito

Que estivesse de um mote, apenas isso,

Como um velho rio é para seu leito

Como o céu turqueza é para as nuvens

Como a pedra na costa é para o mar

E que o leitor solitário ficasse ali quieto

Diante daquilo que viu na estrofe pura

Pois, que na sua esperança derradeira

Que de cada vez que lido se desvendasse

Que da sua poesia nada nunca se explica

Que fosse ele próprio a explicação de tudo



33


O Buddha de Todos os Tempos


Quando morresse o Messias

Não quereria respeito algum

Quererá só um circo montado

Esperara no meio do picadeiro

Enquanto comece uma festa

Com todos os Rhythm & Blues

Que atravessava-se toda noite

Quem por querer cantaria

Quem não queira que não

Como ninguém mesmo fora

Chamem quem quiser iria

De manhã que se acabe com tudo

E queimá-lo-íamos numa pira

No epitáfio escrevei sem medo:

"Subiras a montanha sem cordas."



34


Sendo um casto um justiceiro

Por não sentir e pela negação

Distância do mal que atocaia

Na coragem de nunca o fazer


Não seria nisso o que é assim

Daqueles não for nesta honra

Tão covarde quanto quem faz

A luxúria desta a dominação


Seu sacrifício duma não ação

A aventura da inofensividade

Dum resistir nesta abnegação

Do nada não poder ser menos



35


Dos arrepios ingênuos

Desde a platéia iluminada

Pelo bate bunda da sanca arejada

Até os festins da estréia treslocada

Todos se alvoroçam saltitantes


Já no escuro da coxia estreita

Na crudeza do cordame emaranhado

Carretilhas enferrujadas

E na solidão borrada

De um camarim de espelhos trincados

É quando o velho farsante

Se percebe estarrecido

De que nunca houve o grande ator

Mas somente uma triste personagem

Dos parangolés de si mesmo



36


Eu me lembro da velha terra

Eu me lembro do velho rio


Não de imagens me lembro

Mas de sensações em meu corpo

Meu sangue é que treme na lembrança

Não das bandeiras me lembro

Mas dos aromas, brisas e dias

Não dos cantos de guerra

Mas do balanço dos pinheiros na tarde

Dos caminhos de silêncio e pouca luz


Eu me lembro que sou velho também

E aqui no exílio em meu assombro de saudade

Espero ouvir a pancada do seu coração profundo

Um alívio que me leve de volta ao seu leito



37


As cinco juras do peregrino


O teu tempo o mais lento

O teu passo o mais delicado

A tua bagagem a mais leve

O teu argumento o mais silencioso

O teu nome o mais desconhecido



38


O poeta é nada além dum pobre coitado

Que deuses decidiram por despedaçar

E tem um pedaço jogado em cada lugar

Desde o coração e a alma esquartejado


É andarilho de lembrança em lembrança

De tantos destinos sem dó arrebatados

Sonho, maldição e penitência misturados

Exílio onipresente que nunca se alcança


De todas as guerras the exigem os cantos

De toda saudade que acalme seus prantos

Das cidades sempre a dançar apaixonado


Das odes e visões que ninguém acreditará

Do que passa planta para nascer o que virá

Só, num pacto de vida e morte aprisionado



39


A nostalgia é uma galáxia de saudades...



40


A inteligência Virtuosa

É a ponderação da certeza


A intolerância Viciosa

É a negação da incerteza


A verdade esclarece

Onde a mentira convence

Aquele vil é refém

Onde o casto se abstém



41


Nas distâncias daquela paisagem

Saudade e solidão são o teu abrigo

Nas lembranças o teu único dialeto

Os restos de fogueira ainda ardem


Desde que te viu ali no capim denso

A velha trilha andaluz arrependida

Incógnita naquela ventania pendida

Sempre te espera olhando o silêncio


Uma pedra branca rolou no caminho

Te deu alguns dias essa parca sorte

Nas vilas vazias o mudo semblante

No suspiro delirante desse teu exílio


Quando desta vida já te abandonou

Na praça depois de todas as festas

Deixando tua nata inocência apenas

Só a silhueta da tua alma amanheceu



42


É a ilha a alma gêmea do lago?



43


Numa manhã serena

Um sentimento cala

A delicada ausência

Numa brisa carrega

Por suave mergulho

Num manso silêncio

Que saudade é afago

Um abraço do eterno



44


Se já corres em tanto desalento

Entre teus macunaímas zumbis

Cruzes santas, lasca de brasis

Braseiros, dos paus, do pranto


Em teu triste berço desterrado

Desalmado na demolição torpe

Perdes agora a própria qualidade

De teu último amor ainda exilado


Assim escasso, parco e arregaçado

Destino, maldição dum desesperado

Existes pelo teu desaforo somente


Banido de ti mesmo, de teus nomes

Condenado a esta tragédia ser teu lar

Serás lembrado apenas como... lugar



45


Lua cheia e Lua nova

São uma coisa somente

Que muda donde se vê

Um seu lado o extremo

Estandarte de exteriores

Menestrel desses trejeitos

Outro seu lado no oposto

Juiz daqueles interiores

Pregador de preconceitos

Louvava de quem chorou

Ostenta quem o cobrou

Revoltado era amassado

Amansado é arrebatado

O que antes se fazia

É agora o que não se é

A última possível liberdade

É na solidão a imaginação

Que não lembra donde veio

A inteligência é então escrava

Acorrentada na velha memória

Que para onde vai se esquece

Toda face de luz encantadora

Tem o que a sustenta no escuro

Quanto mais pelos dias gira

Está pelas noites suspensa

Dança entre a vigília e o sonho

No pêndulo da eterna presença



46


Naquela foto antiga em que te via

A inteligência ainda poesia ingênua

Daquela hora sem cor e desfocada

Apenas o fragmento quase desfeito

Tão puro e faltando tantos pedaços

Que hoje daqui te revejo apaixonado

Tua coragem é duma imensa alegria

Um apelo transbordava destemido

A dádiva estava naquele teu sorriso

Que a verdade não te imitaria jamais

Que o espírito vaza pelo incompleto

Que de tudo o que viveu e era oculto

Da tua aventura que ainda pulsa real

O coração nenhuma vez simula a vida

Que da alma só se sabe e nunca se vê



47


Era o messias daquilo que viria

Dos sonhos e da ingenuidade

Dos pequenos passarinhos

Do verão luminoso nos córregos

Nas trilhas coloridas da primavera

O longo inverno nas fogueiras

Nas manhãs cerradas do outono


Àquele evocavam todas as almas

Não por seus feitos e milagres

E cada um mantinha uma coisa

Que de tal lembrança singela

Algo que ele ainda não terminara

Que tantas vezes prometera

Traziam assim toda esperança

Que ele nos seus corações

Havia delicadamente colocado


Era o que nunca nada conquistara

Era o que da fonte mais funda da vida

A todos em segredo havia abençoado

Que em seu nome esquecido

Fossem os que nada sabem

Venham e vão por todo mundo

Que não sejam vistos ou louvados

Que esperem pela glória dos dias

Com a solidão das últimas noites

Que caminhem serenos até o fim

No abandono da celebração do espírito

Recomecem a jornada perdida dos tempos



48


Ninguém pode ser o dono

Das linhas das fronteiras

Naquele silêncio estreito

Istmo entre as bandeiras

Deserda um último sonho


Na anarquia de esperanças

Banidas daquele velho reino

Da ventura desde as lonjuras

No instante de um só passo

O destino de suas distâncias



49


A verdade é tudo aquilo que ela não é...



50


Onde um ideal corrompe

E a compaixão que perdoa


O que a identidade aprisiona

Só a inteligência absolve


Quando o autoritário sucumbe

Começa a nascer a autoria



51


Would be lovely to die now

A land where there is hunt

Where could harvest fruits

That has never been planted

Where one's home is a cabin

Precious thing is an old knife

Days pass through the silence

Just because there are days

And the nights pass on lonely

Just where everything dove

And everything lives forever

Turns into the grass again

Turns into what never lived



52


Following the lonely path

An old constellation of relief

The huge wheel never stops

Unfortunate after fortune

Souls between the destiny

Fortunate before misfortune

Time is the greatest axis

A beautiful roof over life

A raw ground under death



53


A história que pouco escrevo

É a dos que nunca lutaram

Dos que não sabiam a letra

Que esperaram na distância


A lembrança que mais tenho 

É do azul dos teus olhos tristes

E daquele teu constante sorriso

Que na noite se foi e me deixou


A poesia que ainda conheço 

Foi escrita na areia e na chuva

É balbuciada em tênues sonhos

Numa rima embargada e torpe


A vontade que nem tenho quase

É a de um dia sair e muito tempo

Perder o que desconheço ainda

Tentar te achar e te ver outra vez 


A paixão agora é cansada e dorme

Em impulsos de pesares e alegrias

Nas ruas solitárias da nova cidade

Nas canções que ao longe escuto
















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