A Verdade Duvida Onde a Certeza Mentiu
Num sonho delirante, quem deu a base psicológica para a censura do bem e a cultura do cancelamento, foi Adorno, quando o filósofo, subliminarmente, descreveu, num caminho oposto ao de Arendt, que o fascismo não seria um perigo inerente a todo ser humano, mas, seria uma qualidade apenas de um outro específico. Mais um grande mestre, inadvertidamente, contribuiu para a polarização das identidades, foi Eco, quando definiu como imbecis irrelevantes (outrora excluídos do debate erudito e que encontraram um espaço público para expressão com o nascimento da internet) aqueles que dão a sua opinião simplória do fundo dos bares insalúbres.
Desde a invenção do maior legado de Goebbels, a propaganda de massa, passando pelo fenômeno do desenvolvimento dos conglomerados de imprensa (que se apropriaram dessa herança nazista de que a mentira deve ser repetida inúmeras vezes até que se torne verdade), chegou-se aos poderosos organismos da venda de notícias para a publicidade consumista e à manipulação ideológica barata, todavia, em troca de muito dinheiro. Atualmente, nesta nova realidade, existe um contexto interessante (muito parecido com o momento em que os reinados da nobreza medieval começam a perder a hegemonia do poder para os novos comerciantes plebeus) que envolve a saga destas grandes corporações midiáticas atuais perdendo audiência para a ascensão anárquica de novos produtores independentes, e de certo modo libertários, numa revolta multicelular na internet. Por consequência se esvazia o interesse dos grandes patrocinadores no espaço da velha mídia que, contraditoriamente, ainda não alcançam os novos espaços porque estes não os recebem bem na sua imposição de conteúdos.
Os verdadeiros fascistas perderam a guerra e a voz, já os imbecis, que nunca tiveram voz, lutaram e morreram nos dois lados. Os velhos socialistas, que falharam e agora mancam pelo mundo, hoje se apegam ao identitarismo fuleiro. Os velhos fascistas, que ficaram escondidos nas feiras de relíquias de batalha e nas arquibancadas do futebol, hoje instrumentalizam a liberdade de expressão grotesca. As novas elites de progressistas oportunistas abusam daquele outro, na pele de quem não concorda com eles, condenado antecipadamente como imbecil ou fascista, e relativizam a censura política. As novas elites de conservadores oportunistas se alinharam com os imbecis excluídos, os pobres enganados pelo bem estar que nunca chegou e racionalizam a injustiça social. Hoje em dia o golpismo é um regime de estado e ambos os polos o cultivam intermitentemente.
Na história deplorável da televisão brasileira, fora toda essa manipulação de um jornalismo corrupto, alguns canalhas fizeram carreira e destruíram a mentalidade do brasileiro nas décadas de idiotices, grosserias, putarias e extremo mau gosto sem nenhum controle ou regulação de princípios, mas que têm uma coisa em comum: ficaram ricos explorando uma publicidade passional. Dentre muitos, estes são notáveis: Chacrinha (um pinguço cafetão escroto que vendia mulheres, ridicularizava pobres coitados e cagava no trabalho dos artistas); Silvio Santos (um imbecil agressor, abusador e humilhador profissional que extorquia donas de casa mal amadas com um carnê estelionatário); Xuxa (uma biscate de esquina que sexualizava e explorava a inocência das crianças com a única habilidade de ficar metendo a buceta na cara do público); Faustão (um calhorda estúpido que apodreceu a cultura nacional graças ao proxenetismo descarado e ao escárnio das suas vídeo cacetadas do caralho); Ratinho (um troglodita fedorento e estúpido que inventou o formato mais nojento, despresível e imbecil da história da comunicação); Datena (um incapaz mental que fez sucesso espremendo sangue, racismo e ódio numa das mais asquerosas estéticas já defecadas diante de uma câmara).
Esses programas nunca foram atacados ou denunciados tão veementemente quanto têm sofrido alguns realizadores da mídia independente e até hoje nunca foram moralmente revistos e, pelo contrário, são ovacionados constantemente. O controle e a regulação que hoje alguns canalhas tanto exigem não é realmente sobre o conteúdo, mas sim sobre o espaço para a propaganda, ou seja, o que querem é defender o monopólio do espaço vendável para a publicidade, coisa que a internet e os aplicativos estão pondo em risco pela sua pluraridade de conexões, ainda em expansão incontrolável. Assim, ironicamente, o grande risco hoje não é e nunca foi o conteúdo abjeto que todos esses desgraçados enfiaram e ainda entulham na cabeça do povo, mas sim, é algum influenciador treslocado e independente que possa vender a si mesmo com ideias livres e questionamentos ingênuos, ou alguém saído do "exército de imbecis" que possa ousar publicar a sua opinião, mesmo que equivocada e ridícula, e atrair a atenção e enfraquecer os orçamentos que por muito tempo estiveram centralizados maciçamente apenas nas grandes empresas de mídia. O que o poder quer cassar é a concessão do direito de publicar independentemente, da mesma maneira que perseguiam as rádios independentes. Precisam forçar a escassez de espaço publicitário para concentrá-lo nos monopólios de mídia.
Como aludiu Deleuze, se surgir um novo fascismo histórico este fará o seu ancestral parecer um conto de fadas, talvez, não pela aplicação do horror, mas pela sua indiferença diante deste. E isso já facilmente podemos observar assistindo aos noticiários com analistas sem vivência, os repórteres gaguejantes, os correspondentes favorecidos. O velho poder da imprensa não tem mais heróis e não vive mais de aventura há tempos, mas apenas de farsantes e fantoches, a serviço de um movimento aterrorizante de dominação implacável, que se vendem por conveniências das mais infames enquanto o mundo queima.
Já alertou Morin que a sociedade sempre foi anárquica na sua estrututura, pois, cria a si mesma constantemente, porém, é o tal poder que se esforça para dominá-la. Diante do fenômeno tecnológico, veloz e fascinante, absurdamente inclusivo e interativo, que consegue conclamar bilhões simultaneamente, de um público disposto a horas de conversas, diversão inovadora, discussão de ideias e cheio de dúvidas, os recursos diversificados de uma nova mídia ainda independente e livre, coloca a velha mídia em crise e desesperadamente tentando se agarrar a alguma coisa que possa lhe salvar, mas talvez, esta tenha apenas um de dois destinos possíveis (como foi também com as monarquias daquele tempo), tentar acordos macabros para se manter uma mentira e continuar sua sobrevida indecente e inútil ou morrer decapitada no fogo da nova revolução.