Todos Precisam de Ajuda Nessa História-
Uma Comédia Teatral Espiritual
Por Fernando H. Catani
Narrador: No grande fenômeno espiritual que é a Irmandade de Narcóticos Anônimos, a história do nascimento de um grupo, de uma área ou mesmo de uma região é, simplesmente, uma história de amor. Ao modo de NA, esse amor da irmandade nos faz, às vezes, entendermos que as personalidades, os nomes e os feitos de cada um de nós e tudo mais o que não venha acompanhado da simples alegria de perceber que estamos limpos hoje, só por hoje, fazendo aquilo que podemos por nós mesmos e pelos adictos que ainda sofrem, não representam nada. No fundo, para quem sabe ver, cada novo grupo, nova área, novo serviço ou talvez uma nova região sempre faz parte dessa mesma história que tem sido também a história do próprio nascimento milagroso da nossa irmandade, e que na verdade se repete dia após dia na recuperação de cada um de nós. Nunca termina, nunca fica ultrapassada porque, quando se vive no amor de um Deus amoroso, o tempo cronológico deixa de existir, porque tudo passa a ser eternamente vivido neste hoje, neste só por hoje. Um milagre assim, como o que vemos acontecer em todas as nossas reuniões, diariamente, não se conta nos limites mesquinhos orgulho do personalismo humano. A história dessa união através dos laços que nos unem, da alegria da qual partilhamos a nossa recuperação e da gratidão que espera o recém-chegado aparecer a cada momento do nosso dia, é uma história sem dono, sem ídolos, sem monumentos e sem hora para começar ou para terminar. Essa é a nossa história, anônima, abnegada e dedicada apenas à honestidade, à boa vontade e à mente aberta para levar a mensagem de NA. Uma história de extrema felicidade cheia de espiritualidade para vivermos a recuperação de Narcóticos Anônimos! Viva NA!
Ato I – lembranças da alegria de viver e a tristeza de perdê-la
Cena I - (sem elementos cênicos, algumas pessoas ainda não apresentadas à platéia, embora sejam os PS dos adictos que se perderam, estão reunidas conversando sobre coisas que aconteceram num tempo recente e que trouxeram momentos de alegria e esperança, mas depois de um tempo deixam transparecer que hoje já não acontecem mais. A conversa acaba um pouco sem motivo e as pessoas decidem procurar mais um pouco aquilo que perderam).
C – Lembra quando eu fui com ele passear no parquinho? Como ele gostava de balançar... trupicava, escorregava... dava tanta risada...
A – Ah! Que tempo bom quando eu podia ajudar ele a dormir sem medo... a correr atrás da bola e gritar de alegria por estar vivo...
B – É... que tempo bom... tomava leite... água... uns docinhos de vez em quando... quase sempre... ahahahaha.... mas era bom... eu não entendo quando foi que eu descuidei e começou a andar sem rumo... a querer coisas que não eram pra ele... a querer que o mundo se adaptasse somente às vontades dele o tempo todo...
C – É mesmo! Comigo aconteceu a mesma coisa... a mesma história... agora raramente encontro um sorriso e amizades verdadeiras ao lado dele... tá virando um tranqueira...
B – Um curva de rio?
A – Com certeza! Mas vocês sabem que muitos por aí têm reclamado da mesma coisa? que muitos deles estão desaparecidos e não nos pedem mais nada... não agradecem pela vida... estão se achando os bam bam bans...
B – um zica brava?
C – Exatamente! E olha que tem certeza de que não precisa de ninguém!
Cena II – (sem elementos cênicos o grupo de pessoas começam a se encontrar outra vez em cena como se estivessem andado em círculos por um tempo e demonstram estar cansados de procurar algo em vão. Param um diante do outro e se perguntam o que pode estar acontecendo, onde estão aqueles amigos que se afastaram deles e por quê? Estão em dúvida)
B – E aí? Encontraram alguém? Descobriram onde andam os mala sem alça?
C – Nada... tudo escuro... a luz da vida parece ter se apagado...
A – Outro dia me pareceu ser ela... o meu amorzinho que eu vi nascer... mas aí entrou num beco e eu perdi a pista novamente...
(elaborar uma coreografia representando os adictos antes e depois... tipo comédia...)
Cena III – (depois de um tempo de silêncio na cena anterior, olhando a esmo pra os lados vagarosamente... um pouco preocupados... como se tivessem saudade... o grupo começa a conversar sobre buscar ajuda para encontrar aquilo que procuram. Mas até agora ainda não fica claro quem são ou o que realmente procuram. Decidem pedir ajuda a Deus)
A – Precisamos de ajuda nesta questão...
B- Mas quem pode ajudar nisso?
C- Quem... Deus ora! Quem mais? (olha pra platéia e faz uma careta de incompreensão)
B – Mas Deus deve estar ocupado... está sempre ocupado...
C – Ah... mas sempre ajuda e ama todo mundo!
A- Hum... é... não tem outro jeito...
Ato II – Encontrando Deus e criando a irmandade.
Cena I – (os PS chegam para falar com Deus e tentar uma solução para encontrar os adictos perdidos. Vão até ele e encontram uma criança brincando descontraída e muito alegre e dedicada a cuidar de alguns planetas. Deus é uma criança e está entretido com três ou quatro bolas de isopor simulando planetas que Ele está sempre tentando arrumar numa posição que Lhe agrade. Os PS tentam iniciar a conversa, mas Deus entrega uma bola pra cada e pede para levantar ou para abaixar, mudar de posição como se estivesse testando a melhor maneira de arrumar os planetas. A conversa toda se dá nessa dinâmica.)
A – oi... Deus... precisamos de ajuda...
Deus – espera... segura isso assim...
B- Querido... sabe o que acon...
Deus – VocÊ! Vem pra cá... um pouco mais pra cá...
C- Então perdemos nosso amados... a gente curtia a vida juntos, mas agora talvez eles acreditem que não precisam de um poder superior e tal...
Deus – Quê? Aqui... fica assim... levanta um pouco...
A - É que não encontramos mais em nenhum lugar as pessoas que Você disse pra gente cuidar... não sabemos o que aconteceu, mas... pressentimos que algo não está bem por lá...
C – É... algo não vai bem com eles... sumiram... (olha para baixo e depois para cima pensativo)
B – Precisamos que Você nos dê uma dica do que fazer pra encontrá-los... era tão legal curtir com eles a vida...
A – Hum... deve ser alguma impotência... acontece muito por lá isso...
Deus – Eles são adictos... egoístas... e são impotentes perante as drogas porque se tornaram escravos destas... precisam primeiro de um lugar para conseguirem ficar limpos... lembram de AA? Mas esses são folgaaaaaados... mas têm sorte... precisam de um programa espiritual de recuperação... vocês só conseguirão encontrá-los numa reunião de R.E.C.U.P.E.R.A.Ç.Ã.O... (Deus olha bem nos olhos deles como que tentando ver se lembravam mesmo depois diz)... Então... vão na fé!
(Deus sai e os deixa com os planetas na mão... falando sozinhos juntos coisas sem muito sentido como se estivessem pensando em voz alta.)
Cena II – (Depois de um breve silêncio, em que os PS ficam a se entreolharem pelo canto dos olhos e ainda com os planetas na mão os PS começam a criar a idéia das tradições e dos passos. Vão falando como se estivessem a imaginar naquele momento. Eles encaixam as bolas de isopor na cabeça e ficam até o final da cena. As falas desta cena são uma adaptação livre que mistura os Doze Passos e as Doze Tradições.)
B – Será que Ele não volta? (enfatizar o ELE)
C – Mas então o que vamos fazer?
A – Bem... se eles são impotentes e precisam de um lugar... um lugar pra que eles possam ir pra que a gente possa encontrá-los. Um lugar onde possam admitir que são impotentes perante a sua adicção, que perderam o domínio sobre as suas vidas.
B – Ah! Quero ver adimitirem!
C – Sim! E nesse lugar tudo correrá bem sempre que as forças que os unam sejam maiores do que as que os tentam separar...
B – quero ver se unirem!
A – Sim! Sim! E o bem estar desse lugar? o bem estar é importante! O bem-estar comum deverá estar em primeiro lugar; a recuperação individual depende da unidade das pessoas que estiverem por lá...
B – Quero ver o bem estar!
A – E outra... precisam começar a acreditar que um Poder Superior a eles mesmos pode devolve-los à sanidade...
B – Quero ver acreditarem!
A e C – ÊÊÊÊêêÊêêhhh!!!!
B – Hum....
C – Sim eles precisam lembrar da gente... ta na hora já poxa!
B – Quero ver lembrarem!
A e C – ÔÔôôôôÔÔÔÔ!!!!!! (olhando feio para o B)
A – É! E para esse propósito comum apenas deve haver uma autoridade – um Deus amantíssimo (param um pouco, olham as bolas de cada um tem na cabeça) que se manifesta na nossa consciência coletiva. E todos os líderes serão apenas servidores de confiança; não terão poderes para governar.
A,B e C – NÃO TERÃO PODERES PRA GOVERNAR!
B – Peraí! Peraí! O único requisito para se ser membro deverá ser então um desejo de parar de usar drogas!
C – E é importantíssimo... importantíssimo eu disse ein? que eles venham a acreditar que um Poder Superior a eles mesmos pode devolvê-los à sanidade...
A e B – BOA!
B – E outra! Se não decidirem entregar a vontade deles... (olha pra platéia com uma cara engraçada) e as vidas deles... (olha outra vez) aos cuidados de Deus, na forma em que eles O concebem... claro! Não vai dar certo!
A,B e C – (caem sentados) NÃO VAI DAR CERTO!
A – Claro que vai! (levanta rápido) sabe como? E é o seguinte... Cada um desses grupos deverá ser autônomo, salvo em assuntos que digam respeito a outros grupos ou ao tooooooooooooooooooooodo (estende a palavra fazendo um gesto engraçado e olhando pra cima um pouco) dessa irmandade!
C – Péra! Tive uma idéia! Ó... Cada grupo terá um único propósito primordial...
A,B e C – O DE TRANSMITIR A SUA MENSAGEM AO ADICTO QUE AINDA SOFRE!!!
B – (um momento de silêncio e depois dizer essa fala bem rápido) Um grupo nunca deverá apoiar, financiar ou ceder o seu nome a qualquer empreendimento afim ou alheio à Irmandade, para que os problemas de DINHEIRO! PROPRIEDADE OU PRESTÍGIO! (todos juntos apenas nessas três palavras) não nos afastem do nosso propósito primordial...
A,B e C - Todo o grupo de NA deverá ser absolutamente auto-suficiente, negando quaisquer doações de fora...
(param e olham para o público... voltam devagar a se entreolharem e depois olham numa virada rápida para o público novamente... voltam devagar e olham para cima e falam a próxima fala todos juntos e muito rápido e ainda olhando pra cima como se fosse num momento de inspiração e tipo um transe que faz os tremer um pouco comicamente)
A,B e C – Essa Irmandade deverá manter-se sempre não-profissional, mas os seus centros de serviço podem contratar trabalhadores especializados. Nunca deverá organizar-se como tal, mas podem criar comités ou comissões de serviço directamente responsáveis perante aqueles a quem prestam serviços. Não tem opinião sobre questões alheias; o nome da Irmandade nunca deverá, assim, aparecer em controvérsias públicas. As suas relações com o público baseiam-se na atração em vez de na promoção; na imprensa, na rádio e na televisão deverão sempre preservar o anonimato pessoal.
A,B e C – (param a fala e a tremedeira e dão uma bufada, um pouco de silêncio e agora voltando a olhar para o público e falando bem devagar com uma expressão amorosa cômica):
- O anonimato é o alicerce espiritual dessa irmandade, lembrem sempre da necessidade de colocar os princípios acima das personalidades!
(repetem a última fala, mas começando cada um depois de outro dando uma idéia de eco.)
Ato III – Vendo os resultados da Irmandade
Cena I – (os PS aparecem deitados de bruços como se estivessem olhando de uma montanha para baixo e começam a se admirar com as coisas que os adictos fazem com expressões e expressões faciais engraçadas a cada fala)
A - Olha! Além de admitirem que são impotentes, começarem a acreditar num poder superior e entregar suas vontades a Deus... peraí! O que é que estão fazendo lá?
C – Deixa eu ver! (afastando os outros dois que tinham fechado o seu campo de visão)
B – Acho que é um minucioso, meticuloso, detalhado...
C - Corajoso, rigoroso, completo, tooooooooooooooooooooodos os detalhes...
B – Complicado, apavorante, horripilante...
A – Majestoso... Magnânimo... estupefato!!!
(B e C olham assustados e congelados para A por um tempo... depois se assustam quando deus aparece e diz:)
Deus – (Deus reaparece do fundo e diz rapidamente:) – E PROFUNDO!
C – Nauseante, medonho, traumatizante... sem deixar nada nadinha escondido... e...
A, B e C (juntos e gritando) - DESTEMIDO INVENTÁRIO MORAL DELES MESMOOOOOSSSS!!!!
A, B e C (juntos e gritando) - DESTEMIDO INVENTÁRIO MORAL DELES MESMOOOOOSSSS!!!!
(os três cambaleiam um pouco repetindo fala confusamente em murmúrio... depois param e mantém um pouco de silêncio e depois olham rapidamente outra vez para onde estavam olhando para ver os adictos)
A – Alá! Alá! Estão admitindo perante Deus, perante eles mesmos e perante outro ser humano a natureza exata das falhas deles?!?
C – Vejam! Vejam! Alguns estão se prontificando inteiramente a deixar que Deus remova todos seus defeitos de caráter!
B -NÃO ACREDITOOO!
A – Não... não... não exagera! Oquêêêêê??? Estão humildemente rogando a Ele que os livre das suas imperfeições?
C – Aí tem coisa! Ma... ma... ma... ma... ma... (com uma expressão pasma) Vão fazer uma relação de todas as pessoas que prejudicaram e se dispuseram a reparar os danos a elas causados? Sério!?!?
A – o que estão fazendo agora? Na na ni na não! NÃÃÃÃÃÃOOOO!!! Estão fazendo reparações diretas dos danos causados às pessoas???
A,B e C - (todos juntos dizem a próxima frase em concordância balançando a cabeça)
- SEMPRE QUE POSSÍVEL! AH BOM! UFA! salvo quando fazer isso pudesse prejudicar essas pessoas ou outras... bom... bom... muito bom...
B – quem inventou tudo isso?
A – Quem? (num tom irônico como se fosse claro quem inventou)
C – Essa turma está indo bem!
A – Peraí que tem mais!
B – Como assim mais?!?
C – Eles estão continuando a fazer tipo um inventário pessoal e... quando estão errados... admitem prontamente!!!
A, B e C – (sentam agora, olham pra cima e levantam as mãos juntos)
- MILAGRES ACONTECEM!!!
(e depois levantam começam a dançar um pouco e vão até que cansam e dormem)
Cena II – (acordam ouvindo uma coisa que não sabem o que é e percebem que vem de lá de baixo e olham encantados apenas abaixando com as mãos nos joelhos e demonstram muita felicidade se entre olhando e chacoalhando as cabeças um pro outro.)
A – Eu não acredito! Eles estão agora, através da prece e da meditação, melhorando o contacto consciente deles com Deus! na forma em que eles O concebem!
C – Estão rogando apenas pelo conhecimento da Sua vontade em relação a eles! e pedindo pelas forças para realizar essa vontade?
A, B e C – (num grito sem ser estridente como de alívio e alegria juntos)
- AAAHHHHHAAAHAHHHHAHAHHH!!!!! (saem de cena)
Cena III – (voltam a encontrar Deus que está com uma cara pensativa olhando para o nada com um pouco de dúvida sobre o que fazer com seus planetas... e eles chegam por trás, correndo e gritando ainda com as bolas na cabeça, mas quando chegam perto ‘freiam’... e assumem uma postura de respeito.)
A – Deus! Deus! Deu certo! Deu certo! Você nem acredita!
Deus – Como assim? Nem acredita? Tá louco? Ei! Meus planetas! Me devolvam por favor! (eles fazem uma expressão de surpresa como se tivessem esquecido dos planetas ali e o entregam a Deus que passa a prestar atenção somente nos planetas e demonstrar estar pensando em algo muito importante sobre o que irá fazer com estes)
A, B e C – (falando amontoado e confuso no início, como que ansiosos... mas depois explicam a Deus o grande sucesso do nascimento dessa irmandade)
A – Deus... demos uma mãozinha no começo... véio... mas depois eles ainda fizeram um monte de coisas...
B – Sim! Sim! E Você não vai acreditar na última maluco...
C- É... não vai...
Deus – (meio resmungando baixinho) Não vou acreditar... hã...
A, B e C – (juntos e bem pausadamente falam a frase)
- Eles ainda por cima depois de tudo disseram que tendo experimentado um despertar espiritual graças aos passos da recuperação... Vão se dedicar a transmitir esta mensagem a outros adictos e praticar estes princípios em TODAS! TODAS! TODAS! Todas as atividades na vida deles!
Deus – (depois de um silêncio... murmurando entretido nos seus afazeres) hãm... hãm... vai com calma... voltem lá e digam pra eles que é...
Todos juntos gritam olhando para a platéia) - SÓ POR HOJE! (e começam com as palmas ritmadas de NA).
FIM