23 de fev. de 2025

O Aceno de Hitler (crônica)




O Aceno de Hitler


É um sincretismo estético/político que busca colher uma emoção latente, de uma identidade dilacerada tentando ressignificá-la, reagrupando-a e sublimando atrocidades que são reconstruídas como apenas erros do passado, de que a culpa seja esquecida. Não é o que se alega ou a volta deste na mesma forma, pois é impossível, mas apenas uma estratégia que retoma um impulso de organização, resgatado de uma ideologia em escombros em que a única coisa que lhe restou foram seus emblemas puídos e suas relíquias enferrujadas. A saudação é apenas uma isca semiótica, usada porque não há nenhum outro gesto que tenha o poder de convocar a mesma potência, é um símbolo arquetípico de uma lenda étnica. Mesmo que num risco imprevisível, a ansiedade é por aproveitar o desequilíbrio sócio/cultural que o chamado progressismo financiou, porque calculou apenas as particularidades, reorientando uma força coletiva que reage a uma transformação inevitável, mas que também calcula mal apenas em generalizações. São movimentos da mesma dominação, um manipula a tragédia humana pela mecanização de seu destino, o outro, a dissimula na organicidade de seu esquecimento, mas ambos a inventam juntos. Não há um confronto entre essências estranhas, mas um embate no interior de sua existência homocêntrica. O que resta ao caçador de nuances, das especificidades e o aventureiro da polissemia é entender onde está a gênese do autoritarismo, de sua brutalidade e, já que é este o que causa tanta apreensão, não apenas ranqueá-lo em suas aberrações, numa infindável troca de acusações em que a única honestidade possível é a acusação da desonestidade de um outro desonesto. E este vem antes de qualquer manifestação ideológica, pois, está aninhado numa qualidade humana instintiva, que é a base de todo pensamento afirmativo, que se autodenomina aquele que defende uma verdade pura, irrefutável e que, mais dia menos dia, passa a impô-la. Na afirmação dos racionalismos impiedosos e identitários, em detrimento da intuição anímica, este movimento já está instalado mesmo antes daquele renascimento do progressismo medíocre ou deste conservadorismo melancólico. Um propõe o resgate para avançar e o outro o avanço para resgatar. O perigo, talvez, se é o que realmente interessa, intrigantemente, pois, como se fosse possível algum perigo maior daquele que já se vive atualmente, não seja tanto a volta dum horror conhecido, já condenado, mas, não saber o que de absurdo, ainda inocente, possa nascer disso tudo.