Quando era criança descobri por uma sorte que algumas pessoas mentiam. Foi assombroso porque as pessoas mentem para as crianças e elas acreditam. Foi assim. Meu pai dizia que numa oficina mecânica que levava seu carro todos eram seus amigos. Nesse golpe de sorte, talvez porque não levaram em conta minha observação, vi que os tais amigos mecânicos, num certo momento, riram muito dele pelas costas. Depois de sairmos eu disse: - “pai, eles não são seus amigos, eles estavam rindo de você e você não viu!”. Meu pai não deu muita bola pra isso, deve ter passado a mão na minha cabeça e sorrido, mas para mim foi ali o início de uma vida inteira de observação e reflexão sobre as atitudes mínimas das pessoas, aquelas que acontecem nos cantos dos olhares, sobrancelhas contorcidas, tipos de choro ou de risos... e por aí vai. Passei a ser um caçador de mentiras sorrateiras.
Algumas pessoas acham que é errado traçar paralelos entre um contexto social, cultural e político de um país com resultados de uma partida de futebol. E, embora essas pessoas tendam a entender isso que aconteceu como um simples resultado fútil de uma partida de futebol, esse resultado dos 7 a 1 não foi. Foi a expressão de mais um projeto institucional falido e mentiroso, desatualizado dos fatos da realidade direta, desarticulados das necessidades banais do planejamento e da organização, consequência da insistência na aplicação de um padrão nesses projetos institucionais do qual o brasileiro é hoje o maior representante. Não porque seja o único povo incompetente do mundo, seria uma inverdade afirmar isso, mas, porque é o único povo, e nisso é o único sem nenhuma sombra de dúvidas, que pode contar com recursos monstruosos em inúmeras áreas e que, inexplicavelmente, é total e absolutamente incapaz no aproveitamento coerente e honesto desses recursos incalculáveis.
O que mais chamou a atenção nas imagens, durante o massacre alemão, foi o choro desatado das crianças quando a realidade se abriu impiedosa diante delas. Foi um choro exagerado, assim como os dos “meninos” sempre tinha sido. Elas acreditaram numa mentira (talvez também os “meninos”) e sofreram um tremendo susto quando aconteceu o inevitável, que em nenhum momento nem de leve passou pela cabecinhas delas, porque estavam equilibradas apenas por uma mentira e não por uma observação dos fatos e das possibilidades. Uma mentira que foi mentida reiteradamente e, mesmo que depois do fiasco todos os comentaristas digam que já previam o desastre, foi mentida por todos inadvertidamente, vergonhosamente. Isso é fruto de uma mentalidade medíocre que acredita que os problemas desaparecem se paramos de olhar para eles. Na absoluta maioria da nossa ação institucional cotidiana é isso que é a regra. E é isso que ensinamos para as nossas crianças desde a educação infantil, na escola e até, e principalmente, na propaganda.
Esse é o padrão do projeto institucional brasileiro: vender gato por lebre... mentir, tentar sustentar essa mentira a todo custo... ah... e manter o “pensamento positivo”, porém, o “pensamento positivo”, a mais profunda imbecilidade adotada em larga escala pela mentalidade do brasileiro, é muito fraquinho diante da verdade e também tem perninhas curtinhas curtinhas... E aqui é que se torna possível e importante traçar paralelos a partir desse fenômeno. Para quem gosta de fenomenologia e se interessa pelo paradigma holográfico... quem não... pode continuar a buzinar a corneta que uma hora ou outra ganharemos.
Em raríssimos lugares do nosso contexto cultural, estamos a cultivar a honestidade de maneira planejada. Cai o viaduto? Vamos disfarçar e mentir que foi normal para não atrapalhar os índices. A seleção está uma fogueira de vaidades sem nenhum caráter, orientação ou trabalho? Vamos chamar a fabricante de caretas (tipo: o corpo fala) pra resolver. Acreditamos na mentira, sentimos que a honestidade é inútil e ineficaz... acreditamos piamente que a mentira, o xaveco, pode ganhar mais rápido uma situação e todas as nossas relações sociais estão há muito tempo e cada vez mais sendo influenciadas e baseadas nessa lógica enferrujada e funesta: temos que ser malandros... passamos o tempo todo a esperar a oportunidade de cavar um pênalti e não usamos um segundo desse tempo para treinar uma jogada séria. E será que vai melhorar agora com esse tombo histórico? Não! Não vai melhorar... vai piorar... Vem aí uma avalanche de mais “pensamento positivo” pra resolver tudo. Talvez numa nova campanha publicitária enganosa para encher a cabeça das crianças...