16 de jul. de 2014

domingo futebol morreu... (crônica)





Quando criança o maior evento dos domingos era o futebol. Onde estudava, neste dia santo de folga, era o futebol que lotava o lugar. O padre diretor da escola aproveitava pra encher a igreja, e assim valorizar seus sermões soníferos, porque exigia que só poderia jogar, ou mesmo assistir à partida principal, quem fosse na missa. O futebol era nossa importante identidade, atividade e discussão e, numa época de copas do mundo, todos os campos, várzaes, ruas, esquinas, muros e mesas de cozinha eram só uma coisa: esse futebol amado. Ali se discutiam as teses, as práticas e o futuro dessa nossa religião brasileira (não daquela missa, mas do jogo). Na Lagoa do Taquaral, lugar onde, até o início da minha juventude no mínimo, era tão lotado de discípulos do esporte que nos fins de semana nem dava pra andar. Todos queriam jogar. Timinhos na fila de espera se aqueciam em peladeiras paralelas até que chegasse sua vez. Nas escolas jogos de pais, filhos e o diabo a quatro (que talvez nunca tenha entrado na missa) em campeonatos animados de todos contra todos. Era realmente o país do futebol. Porém, sem que nos déssemos muita conta, mudamos das lindas torcidas das batucadas, charangas, bandeiras e cânticos... para um bando de terroristas alucinados ou para um amontoado de alguns bobões que somente repetem: "com muito orguuuuuulho... vá tomar no cu". Nos dias de hoje, em plena copa das copas, nessas semanas de mundial, tenho sempre passado pela Lagoa do Taquaral todos os dias e fico pasmo, pois, simplesmente, ninguém está mais lá. Sábados vazios e domingos desérticos da bola. Nada. Campos fúnebres isso sim. Com as traves sem redes, mas cheias de teias de aranha. Pensei... o Brasil não é mais o país do futebol. O Brasil é agora o necrotério do futebol. Hoje ninguém mais joga bola daquele jeito e os times profissionais são como criadouros clandestinos escondidos em campeonatos sucateados e arrebentados, em que só existe a manutenção da subsistência precária das suas vidas, recebendo o mínimo de substância para apenas não morrerem de vez para que, estirados nas mesas de autópsia que os clubes se tornaram, alguns de seus pedaços sejam retirados ainda em vida e vendidos por contrabandistas e criminosos pelo melhor preço em qualquer dos cantos do mundo. E aí, de quatro em quatro anos, são convocados alguns desses pedaços e orgãos que estão espalhados pelo planeta, mais uns mortos vivos que se levantam da cova rasa e se monta um zumbi fofo e choraminguento, um franquesteim sensível, porém todo retalhado e incompreensível, que todos insistem em chamar de seleção brasileira... não mais canarinhos de briga com cantos milagrosos... mas pintinhos assustados, noiados e bipolares que vivem de evocar os fantasmas dos vestiários, craques ascensionados e almas penadas dos antigos estádios do passado para assombrar os adversários a esperar que fujam de medo e deixem o gol aberto... e é só o que ainda funciona...