22 de abr. de 2022
marinheiro (mini conto)
Ele havia trabalhado muito tempo naquela sua obra: "A Indescritível História do Marinheiro Que Não Sabia Nadar", porém, havia avançado pouco ainda. Mas mantinha isso em silêncio.
- "Bem óbvio!" - Jogara-lhe sempre na cara um tal amigo.
- "Nem tão, pois já, que um aviador não saberia mesmo voar" - Repondia ele iniciando ao ríspido.
Nunca entenderiam, pensava ele, que o conflito estava na inenarrabilidade... e não na problemática; ou na merda da hermenêutica; era o mistério e não a lógica, que da porra toda... o ponto tocante seria, ali, a intuição, o bairro, a vizinhança.
- "O Problema..." - declamava o desautor - "é que vocês todos estão muito obcecados... é... é sim... ou não, pois, política se torna muito mais contundente quando é dedicada à criação... àquilo que, supostamente, tanta crítica e indignação pudesse impulsionar e realizar..." - continuava o anti-escritor já com o saco cheio - "Política boa é negativa... negação... a destampada, que, ao contrário de ficar nessa punheta seca de sebo, mostrando o saco imundo do inimigo, que é o mais indicado pra fugir do próprio ambigo chujo, que mostre algo que me possa afetar e me fazer... bem... não é da arte que todo mundo gosta? vão para o caralho então!"
17 de abr. de 2022
ser sórdido (miniconto)
Um deus encarregado de distribuir os dons entre os seres do planeta explicava a cada um que, embora fossem receber capacidades incríveis, obrigatoriamente teriam que aceitar algumas mazelas de troco. E aí o deus fazia o seu trabalho. O urubu recebeu o voo mais lindo de todos, mas só lhe restaria a carniça. Para as árvores deu o sofrimento mais delicado do universo, porém, ficariam sempre estáticas no mesmo lugar. Às formigas o poder de carregar um imenso peso, mas tão indefesas que são esmagadas facilmente. Aos passarinhos o canto mais milagroso acompanhado de sua fragilidade e insegurança constante. E aí foi. No momento do ser humano o deus parou e disse solene: “aqui vai um corpo gracioso de beleza indefinível e mais uma inteligência extraordinariamente maravilhosa, todavia, deverá ser eternamente um monstro asqueroso, sórdido e imundo”.
13 de abr. de 2022
you don't know me (poem)
you don't know me
but you know me
lying here in this shadow
I remember you both
each day of those days
we used to live together
I look at them now
are yellow, pink, blue
these small flowers everywhere
and this smooth grass
under those trees
on this day... alone
they don't know me
but they know me
every morning and every night
every night and every dream
all this feeling is hard
but I'm not like that
there is little to be done
he is what he is they said
this unbearable continuity
only to be sure that I'm walking
forward and enough... forever
and when we meet again
if it happens to be
in another city perhaps
which is still unknown
who doesn't know me
but who knows me
some petals are flying now
the wind is carrying all over the land
I shout your names into the night
I'll return to each square and each garden
at the dawn when it is empty
at noon and as usual too crowed
but I'm always hoping to see you
every corner we've been on
every bench we sit in
to smile, to think... in silence
I tried and often there is nothing
it seems like after all
what I remember is only that street
where you took me by the arm
and we continue like this and always
after knowing our lives... in extremely love
so huge that cannot even exist
and to be in this very moment
I don't have any body anymore
I don't have anything else
I'm a pure soul... waiting
I'm like those winged angels
who cannot never go down again
I do not know them
but I know them
5 de abr. de 2022
acostamento (poema)
às vezes, na beira da pista,
no acostamento...
teu silêncio outros poucos segundos impera.
isso não é nada do que imaginamos.
já não conseguimos mais viver sem o que imaginamos.
ontem, na margem do sonho,
no devaneio...
tua desgraça me lembrou um poema.
bruto.
e duma solidão imensa, sem vozes, o som do teu coração me calou.
outra vez.
agora, na ribanceira, a poeira se cruza com a dor da luz do sol.
seca. sofrida. surda.
vocês têm lá suas desculpas, mas ele não existe.
nada existe.
mudo. profundo.
os passarinhos sumiram? não se pode escutá-los cantando.
os bem-te-vis?
qualquer outro?
e isso não é nada.
simplesmente nada.
os heróis que morrem são somente mais outras vítimas.
o tempo... é quem sobrevive.
e a grama ainda falta preencher aquelas falhas...
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