14 de dez. de 2015

domingo cadelento (crônica)



tudo começou como sempre com um dia abençoado... silencioso e lindo, que a qualquer momento seria destruído por centenas de bêbados dublês de gente feliz, mímicos monstruosos da alegria, a festejar sua própria miséria espiritual; e também pelos corredores de 10, 15, 20 km, disfarçando sua vida maníaca e depressiva, gritando uhuuhu! uhuhuuu! atordoados pela animadora inflada, peitudaça e bundudaça, e por uma música que algum esquizofrênico suicida em surto fabricou em parceria com o demônio; correndo cada vez mais rápido da sombra de si mesmos, pode ser que queiram deixar o que são para trás e se tornar o que ainda nunca vão ser... e pronto! o primeiro deles já se levantou na cambaleante ressaca, de pinga ou de anabolizantes, imediatamente ligando o vap começa a lavar o seu carro descartável de plástico vagabundo como se fosse a última relíquia do automobilismo; acabou-se a maldição que é para esses zumbis mutantes um simples domingo sagrado e doce; e no mesmo instante o outro já ligou o batidão; é o caleidoscópio de uma clonagem demoníaca... de uma simulação de felicidade embriagada e entorpecida! agora... ondas e mais ondas daqueles desodorantes falsificados, baratos e fedorentos, flutuam pelo ar... nas pagodeiras românticas cadelentas... enquanto batem repetidamente as portas dos carros como se fosse uma tentativa de reanimação do próprio coração já apodrecido pelo tédio de sua ignorância cultuada; seguem os fatídicos apitos do acionamento dos alarmes... estão todos em cada esquina, carregando os cadáveres fétidos e os engradados de mijo, chegando para estralar a carniça... e a gritaria pode começar; parecem no fundo ter um certo ódio velado do paraíso que lhes foi dado viver e certamente seja para não ter que suportar sua própria mediocridade em nunca conseguir vivenciá-lo plenamente é que fazem tanto barulho e tanto estardalhaço; a barulheira e a cagaioça são assim o maior e único antídoto, pela mais amarga vingança, e então o mais poderoso anestésico para o insuportável rancor que sentem de si próprios na sua escravidão, consumista e alienada, da sua miserável e totalmente inútil existência cotidiana...