“O que queremos empreender aqui, com efeito,
é apenas uma tarefa de libertação pela intuição. Como a intuição do contínuo
nos oprime com frequência, é indubitavelmente útil interpretar as coisas com a
intuição inversa.” Gaston Bachelard (2007:59)
Uma Visão da Alma Artística: A Rosa de
Seis Pétalas
As Doze Disposições Poético/Estéticas e Os Seis Temas
Primitivos da Alma Artística

O Argumento
Esta é uma reflexão epistemológica que foi inspirada por uma exigência didática pela
elaboração de um conjunto de aulas sobre os períodos da história da arte em um
curso de capacitação de professores. Parti da organização mais difundida e
aceita da divisão dos períodos para realizar uma aproximação a alguns elementos
conceituais e filosóficos, primitivos e fundamentais, que acredito estão envolvidos
na vivência, criação, e realização artística e que podem ser relacionados a
qualquer ser humano como uma qualidade inerente à sua existência na civilização
contemporânea. Apaixonado principalmente por reflexões contidas nos livros Intuição do Instante, de Gaston
Bachelard, Psicologia Arquetípica, de
James Hillman, e Esculpir o Tempo, de
Andrei Tarkovski, proponho uma iniciação ao estudo da importância de aspectos
específicos de uma possível imaginação intuitiva e do que acredito sejam alguns
de seus desdobramentos na ação artística. Esboço neste trabalho uma perspectiva
alternativa para o estudo de algumas qualidades arquetípicas vislumbradas em
imagens produzidas a partir de mídias artísticas e sugiro uma proposição de
reflexão, sobre um diálogo entre elementos poéticos e estéticos, que identifica
uma importância essencial destas qualidades para o desenvolvimento de processos
de criação artística de um ser humano imaginador.
Este ensaio é uma revisão do que esbocei, numa dissertação de mestrado em educação (CATANI,F.H.2011), a partir de explanações didáticas sobre os períodos da história da arte num curso de formação de professores, um cenário imagético em que figuram uma espécie de alinhamentos poético/estéticos inerentes às imagens artísticas. Eram como motes, noções bem estáveis que poderiam ser relacionadas às obras mais identificadas aos períodos históricos da arte, não aos seus inúmeros movimentos, logo na sua apreensão mais banalizada e inclusive a mais conhecida dentre os participantes (arte primitiva, arte antiga, arte medieval, arte renascentista, arte moderna, arte contemporânea). Apropriei-me dessa descrição para que a maioria dos participantes tivesse acesso imediato a esse conhecimento, o que permitiria uma identificação instantânea com os significados, justamente por ser um senso comum, para que depois nos aproximássemos destes mais profundamente.
A hipótese expressa aqui ainda se embasa, antes mesmo da dissertação de mestrado que a esboça, diante da oportunidade de estágios de pesquisa na graduação em Pedagogia Unicamp, em que dediquei-me à organização de atividades artísticas, pelo projeto FEBEM-Arte, junto aos adolescentes internos numa proposta de estudo e produção de poemas e de laboratórios de pintura abstrata, nas então duas instituições da Febem em Campinas-SP, onde ocorriam a aplicação de medidas socioeducativas judiciárias. Os relatos e as reflexões sobre este envolvimento geraram o meu trabalho de conclusão de curso (CATANI,2004). Naquele contexto inicia meu interesse pela evidência do imaginador, pois impressionei-me com a necessidade que os internos demonstravam por realizar, paralelamente a qualquer atividade proposta pelas iniciativas externas, o que eu reconheci como um processo criativo real, resumido à execução obsessiva de uma dobradura em papel e construção de peças de artesanato que seriam depois presenteadas afetivamente aos visitantes. Percebi que era um movimento para que fosse mantido um fluxo da vitalidade e da dignidade da vida humana. Assim, vendo essa qualidade anímica naqueles adolescentes internos, enquanto criavam e realizavam uma atividade claramente artística e autônoma, mesmo que não erudita, entendi esse fenômeno como uma evocação, um rito, mesmo que inconsciente, para uma superação psicossociológica, uma suspensão daquele encarceramento brutal.
Desenvolvi, a partir destes contextos, uma abordagem da obra artística e do seu processo de criação, focado na possibilidade de elaboração de ações educativas, que procura reconhecer uma qualidade interna e uma externa que cada imagem conserva, assim como dos processos que as criam, e que chamei de disposições poético/estéticas. “Assim, relacionei uma estética de ‘ritual’ ao um impulso poético de ‘ritmo’ principalmente nas imagens e no contexto atribuído ao período da chamada arte primitiva. Uma estética ‘mitológica’ a um impulso de ‘reflexão’ poética que estavam mais evidentes nas imagens e contexto da chamada arte antiga. Uma estética de ‘religiosidade’ com seu constante exercício poético de ‘devoção’ ocorriam de forma mais aparente no período dito arte medieval. Uma experiência estética intensa de ‘humanidade’ que sugere uma consciência de ‘identidade’ poética esteve sempre claramente evidente nas realizações amplamente divulgadas da chamada arte renascentista. Uma estética focada na construção da ‘sociedade’ que se esforça para a ‘dinamização’ de significados poéticos surgia com maior força nas criações da arte moderna. E, finalmente, uma estética de ‘panculturalidade’ amparada por uma determinação de ‘equanimidade’ poética era mais potente nas situações artísticas do que comumente se chama arte contemporânea.” CATANI,F.H.(2011:28). Influenciado inicialmente pela assertiva de James Hillman: “o espírito está nos picos, a alma está nos vales” (HILLMAN, J. 1983:15), percebi que ao observar as obras, e mesmo ao desconstruir seu processo de criação artístico, aparecem elementos de uma face interna, que revela um impulso poético subjacente e que julguei ligado a alma, e uma externa, numa manifestação estética, que associei estar ligada ao espírito. Estes dois fenômenos, juntos, têm o potencial de expor o tema psicológico envolvido no fazer artístico e, por consequência, na obra. Este tema relevante estaria entre essas fronteiras, no campo que vai desde a pátina de uma superfície estética materializada até a pulsação de uma profundidade poética. Do espírito do mundo, manifesto, destemido e iluminado, à alma rústica, densa, protegida e obscura.
A partir desse contexto inicial é que foi possível, então, definir os conceitos do arquétipo que apresento aqui, um arquétipo conceitual máximo, associado a uma minha intuição acerca do que entendo como os temas primitivos da alma artística, como uma base que está disponível a todo ser humano em seus processos imaginativos e reflexivos, que foi intuída e evocada através de uma leitura de Gaston Bachelard:
“Com efeito, as condições antigas
do devaneio não são eliminadas pela formação científica contemporânea. O
próprio cientista, quando abandona seu trabalho, retorna às valorizações
primitivas. Seria inútil, portanto, descrever, na linha de uma história, um
pensamento que não cessa de contradizer os ensinamentos da história científica.
Ao contrário, dedicaremos uma parte de nossos esforços a mostrar que o devaneio
não cessa de retomar os temas primitivos, não cessa de trabalhar como uma alma
primitiva, a despeito do pensamento elaborado, contra a própria instrução das
experiências científicas.” (BACHELARD,1999:5)
A partir da profunda provocação contida nessas sugestões dessa alquimia
rústica, primeva, absurdamente simples, porém, aparentemente impenetrável, à
invocação para uma espiritualidade incógnita, anônima, tão antiga que nem mesmo
é possível datá-la, comecei a visitar o interior de meu imaginário. E ali foi
possível encontrar, em sincronicidade, como já alertava Carl Jung, o que
espantosamente era na verdade o próprio imaginário humano vivo, a memória de um
mundo sem nenhuma divisão, tudo e todos estavam ali. Esta referência à Alquimia
surge já nas minhas primeiras iniciativas de reflexão sobre o tema da alma,
inspiradas numa obra imagética muito especial: o Mutus Líber, o livro mudo da
alquimia (CARVALHO,1995), e principalmente em sua particular qualidade de
indicar aspectos psicológicos do imaginário poético humano, que ao mesmo tempo
mostra uma beleza artística incomum, materializados em placas para gravura em
metal que descrevem os símbolos e os procedimentos dos fundamentos iniciáticos
do trabalho alquímico filosófico. Estas ilustrações e o ensaio que acompanha a
edição elencam os mais importantes termos, proposições metafóricas e
arquetípicas da alquimia, e é peça fundamental para a elaboração em meu
trabalho dos sentidos de uma concepção de alquimia psicológica. Este tema me
interessa essencialmente por seu inusitado aspecto de singularidade,
simplicidade e primitivismo psicológico em sugerir que o desenvolvimento
espiritual é possível à todos os seres humanos irrestritamente como, por
exemplo, está implícito no V.I.T.R.I.O.L. “Visita Interiora Terrae
Rectificando Invenies Occultum Lapidem”. Explora o interior da terra.
Retificando, descobrirás a pedra oculta. Esta é uma fórmula anônima célebre
entre os alquimistas e que é a indicação do primeiro passo, uma ordem fundante
da história insondável da Alquimia, mas, a tomo aqui me aproximando de seu
aspecto filosófico, poético e metafórico de sugestão e chamamento a uma
vivência de libertação, daquilo que acredito seja e que defini como o principal
problema psicológico humano: a relação entre o medo e a ilusão
(CATANI,2011:15), e ao trabalho de desenvolvimento e de crescimento pessoal. A
realização alquímica que admito me sugere mais uma realização espiritual, de
encontro espontâneo e intuitivo com a rusticidade da alma, do que um sistema de
técnicas laboratoriais complicadas que são historicamente associadas ao
desenvolvimento das ciências exatas. O momento da proposta da Alquimia que
interessa aqui é, então, apenas o instante exato em que “Na noite escura o
jovem buscador sonha. Os anjos o despertam para que dê início ao trabalho da
Grande Obra” (CARVALHO,1995:38). Proponho que este é o grande instante ontológico humano, o resto vem depois.
Desta maneira, renomeado, retificando seus valores, descrevi as
potências da cada uma das coisas que encontrava, para que o mundo fosse
recriado por mim no mesmo ritual de séculos incontáveis dessa experiência
humana mitológica. Neste momento incomparável, que nunca mais estanca depois da
decisão fatídica a esse mergulho no desconhecido, encontrei minha pedra oculta e
consegui vislumbrar sua face mitológica. Como ali tudo é sempre eterno, fora do
tempo do conhecido, reescrevi seu nome para partilhar com o resto daquilo que
sou, os outros humanos e também o mundo. Apresento a minha visão do que aprecio
como um arquétipo, a rosa de seis pétalas, que pode ser considerado como muito significativo e
importante para qualquer trabalho que se dedique ao enriquecimento
psicossociológico do imaginador contemporâneo. Este imaginador foi uma nomeação ao caráter
fundamental do ser humano atual, contemporâneo, na minha dissertação de mestrado
(CATANI,F.H.2011). Esta perspectiva afirma aqui uma qualidade humana muito
importante, a de que este ente humano é hoje, antes de tudo e fundamentalmente,
um imaginador.
Este contexto desvenda, enfim, os seis temas primitivos que orbitam essa
alma artística, nascidos daquelas duplas de disposições poético/estéticas que
os desencadeiam, sendo, então, assim demonstrados: o ritmo e ritual geram o
tema primitivo do Tempo; a reflexão e mitologia o tema do Divino; a devoção e
religiosidade para o Sacrifício; a identidade e humanidade o da Verdade; a
dinamização e sociedade para o tema primitivo do Ser; a equanimidade e
panculturalidade geram o tema da União. Acredito que este arquétipo
constitutivo, do que chamo de uma visão da alma artística, poderá amparar e
ampliar meus próprios estudos, pesquisas e ações na área da educação estética e
da reeducação psicológica, social e cultural, assim como produzir e
disponibilizar saberes e conhecimentos para pesquisadores e profissionais
também envolvidos nesta temática e nesta área de atuação.
O objetivo principal desta exposição é demonstrar a veracidade, a
necessidade e a aplicação destes seis temas primitivos, como uma visão inédita
e acessível da alma artística em seus processos de criação. Nomeei-os como a
rosa de seis pétalas, numa associação livre entre a qualidade reveladora desses
temas primitivos, a sincronicidade de serem também seis aqueles períodos da
história da arte, e a própria simbologia de transmutação que acumula a rosa de
seis pétalas como uma das principais e mais fundamentais imagens da tradição da
alquimia.
O desenvolvimento de uma definição de processo de libertação espiritual,
o que também representa uma introdução fundamental à metodologia constitutiva
das proposições deste meu trabalho teórico/prático de ação educativa, tem sua
gênese e é subsidiada aqui pelas descrições atribuídas a Sócrates (PLATÃO, 2010),
em Platão na obra Teeteto, acerca do método socrático da maiêutica: o trabalho
de trazer a alma humana à luz. Seu sentido psicológico é importante aqui porque
é uma referência metafórica ao trabalho da busca do conhecimento
simultaneamente superior e profundo de si mesmo, inerente ao seu processo de
libertação espiritual, que acredito se dá através da vivência
poético/estética do processo criador da imaginação, desde uma resistência
intuitiva a se entregar às prisões da personalidade comprometida pelo
sofrimento psicológico até o mais superior e espiritualizado anseio por uma
vivência de excelência filosófica.
As Doze Disposições e Os Seis Temas Primitivos
O
encontro do doze foi o primeiro passo na direção da renomeação dos períodos.
Por ser, como já disse, o mais externo, a estética mais aparente, comecei por
renomeá-lo com a minha visão de seus movimentos em relação a algumas imagens
que já estivessem associadas aos períodos. Minha intenção é encontrar alguns
elementos poético/estéticos mais constantes na temática superficial de cada
período. Esse será o material primordial para o estudo que pretendo realizar, a Flos Coeli (CARVALHO,1995:42), o orvalho colhido pelos alquimistas como
matéria prima fundamental e inicial para a obra alquímica. A presença do doze
aqui intenta demonstrar de uma maneira não cronológica ou determinista
(reversamente à própria cronologia e determinismo da idéia dos períodos da
arte, peça tão fundamental do imaginário cultural), uma visão própria de
disposições específicas da alma artística que testemunhei em minha própria
imaginação.
Procurei,
então, encontrar nessas imagens relacionadas inicialmente a cada período uma
proporção imaginativa que pudesse me inspirar honestamente sobre uma origem do
impulso poético que estaria manifesto na estética de ligadas a cada momento
dessa saga ficcional e que poderia justificar cada recorte imposto. Para tanto
escolhi algumas imagens de obras bidimensionais porque eu acredito que estas
possibilitariam um estudo mais abrangente, visto que obras tridimensionais não
poderiam ser observadas da mesma forma porque eu não conseguiria viajar para
encontrá-las nessa sua tridimensionalidade e, embora também na
bidimensionalidade haja uma perda considerável, acredito ser melhor
contornável. Este caminho levará ao meu desejo de apontar a minha visão dos
temas primitivos da alma artística, em suas disposições atávicas, seus impulsos
primevos, rústicos e arcaicos. Para tanto, usei a descrição sumária dos
períodos da história da arte apenas como lenha de atanor.
“O
forno alquímico, onde a matéria prima é tratada até converter-se em pedra
filosofal; o atanor é o útero onde se aquece o ovo filosófico, e também o
microcosmo, símbolo central de todo imaginário alquímico”. (CARVALHO,1995:132)
Disso
surgiu uma idéia de que cada período, reitero, pudesse conter um impulso
poético característico e que essa sua qualidade literalizou uma materialidade
estética também especifica e renitente a cada período. Acessar esses elementos
originários e constitutivos dessas imagens, em sua relação com a idéia dos
períodos, poderia me aproximar de um esboço artístico que revelasse alguma
pista dos temas primitivos. A reflexão sobre os períodos, diante da proposta
das fronteiras, foi um rastro seguido que me levou a um caminho insuspeito,
acredito agora que o que tenho descoberto é a minha própria relação com o
arquétipo dessa alma artística.
Nessa
visão do espírito/alma interferiram também toda a imagética generalizante, as
biografias de artistas e textos históricos que encontrei até agora sobre os
períodos. Embora seja esta minha perspectiva francamente apoiada numa visão de
mundo que eu diria ser socrático/cristã, desenvolvida principalmente, além de
minha educação durante minha vida, pela releitura dos evangelhos e de alguns
dos textos atribuídos a Sócrates, não mantenho relação direta com qualquer
religião nem mesmo as que adotem as premissas cristãs. Esforçarei-me em
demonstrar que o potencial de cada uma das disposições que encontrei é
arquetípico e por isso não pode estar somente relacionado a uma tradição
ocidental européia, mas, que pode ter ressonância em inúmeras outras imagens
encontradas em diversas culturas específicas do mundo.
Acredito
que estas doze disposições estão de alguma maneira incorporadas aos processos
de ação, fabricação ou criação de que é capaz o ser humano e também expressas,
sem nenhuma restrição, em todos os movimentos da imaginação, tendo sido
sedimentadas através dos milhares de anos da experiência cultural humana, ou
seja, não são inatas, mas, por outro lado, também não representam
exclusivamente um cenário de evolução do primitivo ao contemporâneo. O que se
considera arte primitiva, por exemplo, será aqui observado não como uma
datação, mas como um complexo de qualidades arquetípicas da condição humana em
si mesma que permanecem relevantes nessa idéia. Não posso estudá-las como julgo
que eram em determinado período, mas sim, estudá-las no modo como estão
incorporadas ao imaginário dos processos artísticos hodiernos. Destilei o que
há de arquetípico, de primitivo na idéia de cada período, para entender como
isso permaneceu, ou sempre esteve lá, e como se movimenta nos processos de
criação artísticos de meu tempo. O importante é saber qual é a potência de cada
disposição hoje, para saber quais são os temas primitivos que fundamentam minha
imaginação, pelo que eu consigo visualizar destes.
A
associação que faço entre as imagens, a idéia dos períodos e meus devaneios
acerca dos conceitos que elaboro, visam demonstrar qualidades que podem ter
sido manifestas num contexto específico que evidenciou uma disposição em
relação a outra, mas, que sempre estiveram ligadas à alma rústica, ao espírito
do mundo e, mais importante, aos temas primitivos que me fazem entender os
processos da imaginação humana. Não é o estudo de uma questão evolutiva, nem a
apreensão de uma questão criacionista, mas sim, apenas o desejo de
desvendamento de alguns arquétipos que vislumbro na idéia dos períodos e que me
fazem entender meus processos de imaginação. Porém, é importante afirmar que
apresento as disposições como qualidades da elaboração poético/estéticas que
podem sim ser fruto da dedicação da imaginação ligada a uma época e que, nas
imagens que escolhi, eram para mim a sua melhor expressão.
O que
quero dizer é que acredito que o período apontado como arte antiga, por
exemplo, guarda realmente manifestações que podem demonstrar o impulso poético
da reflexão e as literalizações da mitologia em suas imagens da melhor maneira
possível para mim, mas, de modo algum são elementos apenas descritivos restritos
a uma condição fixada numa linha de progressões e superações.
Mesmo
que inicialmente estas doze disposições que destilei estejam claramente ligadas
a certo determinismo histórico dos períodos, buscarei apresentar, através das
imagens e da relação entre cada impulso poético e manifestação estética que as
uniu, o desdobramento de uma potência arcaica da imaginação humana que depois
desencadearam na intuição sobre os temas primitivos. Pela minha intuição,
desejo conseguir desconstruir as premissas lineares em relação às imagens dos
períodos no próprio desenrolar da sua observação, pois, como acredito que a
proposição da linearidade não se sustenta por si mesma diante de uma exposição
que aborde os temas primitivos como fenômenos arquetípicos, não me dedicarei a
refletir diretamente sobre a negação da linearidade.
Deste
modo, não aponto as disposições, nas imagens que tomo como exemplo, da
maneira exata como aparecem nas explicações dos momentos históricos,
mas, da maneira como acredito passaram a fazer parte daquela relação
alma/espírito a que preciso me ligar para uma imaginação viva no instante.
Essas disposições estão, simultaneamente, tanto nas peças de um possível jogo
ideológico arbitrário como em qualquer outra possibilidade associativa que eu queira
fazer, pois, se as aponto como arquétipos, essa polissemia e essa onipresença é
sua principal qualidade.
O que
mais me importa é a sensação causada pela imagem que, acredito, possa me
aproximar da qualidade que está exposta nesta disposição. Quando consigo sentir
o movimento de cada disposição, através do que a imagem causa em seu
afetamento, aproximo-me da compreensão do que estas disposições são e de qual é
o seu trabalho na imaginação. Se
existem os temas primitivos da alma, de que fala Gaston Bachelard, gostaria que
meu esforço aqui encontrasse ao menos seu feitio. São estes peças importantes
porque acredito que sejam o primeiro movimento da imaginação para tentar
prender, ou dar continuidade ao instante. A intenção aqui é revelar os meios
mais arcaicos possíveis que vejo, pelo menos em mim, de criar uma ilusão que
congela o instante que eternamente escapa. É uma ingenuidade, mas também é um
honesto movimento da alma humana e um anseio ambíguo de ternura pela sua vida.
Para
estar ligado a certos temas “basta ser um
humano”(Milton de Almeida,FEUnicamp),
assim, o que vejo é que estes temas poderiam estar em qualquer cultura ou
civilização humana, estes desvelam um drama equânime do ser humano. Os proponho
por acreditar que são conceitos arquétipos que impulsionam imaginações e
criações poéticas e estéticas que são possíveis a todo ser humano. Estes seis temas primitivos da alma é um
testemunho meu sobre o que vejo e encontrei em mim mesmo, não anseiam por ser
unanimidade ou obrigatoriamente devam ser aceitos como um modelo. Mas, se a
minha alma pode se encontrar em campos arquétipos coetâneos a outras, pode ser
que estes seis temas sejam também, e assim espero, partilhados por mais alguém.
Se,
como diz Gaston Bachelard, todo ser humano retorna impreterivelmente aos temas
primitivos da alma, proponho que, para além destes, de uma forma ou de outra, o
que ocorre são apenas inúmeras especulações e desenvolvimento hipertrofiado.
Isto é, seja qual for o caminho que o imaginador escolha seguir, este caminho
será sempre um desdobramento relacionado aos temas primitivos. Qualquer
elaboração, por mais antiga que seja, sempre me trará de volta. Por este
motivo, o que mais importa neste trabalho não são as elaborações possíveis
sobre os temas, suas miríades de detalhes, preciosismos e maneirismos, mas a potência
que estes são capazes de acumular em sua gênese.
Desta
maneira, todo imaginador pode desenvolver seu próprio conhecimento diretamente
quando refletir sobre estes seis temas fundamentais. Acredito que qualquer
organização e/ou sistematização a partir destes temas se sobrepõe à
originalidade de sua proposição primal e apenas figura como uma possibilidade
específica de cada experiência que assumiu essa organização. A personalidade pode individualmente tentar
silenciar a alma de que é reflexo e assumir um controle opressor e dissimulador
das suas origens, pode ocorrer que um sistema complexo seja criado a partir dos
temas primitivos e essa mesma personalidade, agora institucionalizada, tente
silenciar a importância de sua fonte para garantir poder aos que controlam ou
elaboram este sistema organizado. Como se, tendo recebido a guarda de um
tesouro valioso, o seu guardião mentisse sobre sua missão e passasse a o
controlar por conta própria sem reverenciar a fonte que o colocou nesta
posição. Como hipócritas, que tem a chave, porém, não entram e não deixam
ninguém entrar (Mateus, 23:13).
Meu intento aqui, todavia, não é realizar a crítica a sistemas de poder
organizados, mas apenas encontrar uma chave possível, entrar e deixar a porta
aberta.
Para
tanto, imaginei que poderia encontrar em algum momento insuspeito da criação
artística mais abrangente hoje em dia, traços dos elementos que tentarei
testemunhar como “temas primitivos”. Assim, poderia demonstrar como as
disposições estariam presentes como potências latentes em obras recentes,
apesar de tê-las vislumbrado mais evidentes nos determinados períodos da
história da arte. Não tive outra escolha que não me aproximar do cinema para
tentar encontrar as referências que ansiava. Foi uma imposição a que sucumbi
sem nenhuma possibilidade de resistência, porque esta mídia, além de ser uma
das mais influentes formas artísticas contemporâneas, é minha própria base
psicológica, portanto, recorrer às suas imagens é inevitável. Assisti novamente
a alguns dos filmes que me emocionaram profundamente sem que tivesse uma
explicação racionalizada para o afetamento que senti, mas apenas porque por
vários motivos sempre me chamavam muito a atenção. Revi também filmes
insuspeitos que aparentemente não me revelavam nada.
Dentre
os que revi, percebi que algumas pequenas sequências, que se desenvolvem
aparentemente independentes, num contexto arquetípico e até mesmo inconscientemente criadas pelos diretores e roteiristas, carregavam uma nuance subjacente que, creio eu,
pode ser relacionada aos meus temas primitivos. Encontrei, então, seis trechos
de filmes. Claro, pois se acredito que os temas alimentam os processos
imaginativos, estes estariam sempre em algum lugar, bastava que eu escolhesse
os trechos que melhor me mostrassem isso. Percebi que estes trechos funcionavam
como uma espécie de parábola que envolviam cada um dos temas primitivos. Usarei
essas parábolas, então, para apontar uma sensação sobre cada um desses temas.
Uma potência encravada na dança entre as disposições. Uma parábola instiga a
intuição sobre um tema sem ser explícita, pois, com a imaginação nada é
explícito, tudo é metafórico. A parábola tem essa característica de manter seu
tema implícito e disfarçado, dissimulado, que força o observador a quebrar suas
preferências antes de se aproximar do segredo que guardam. Assim, uma parábola
é um dos melhores caminhos para encontrar uma pedra oculta.
“É preciso que cada um se empenhe em destruir
em si mesmo tais convicções não discutidas. É preciso que cada um aprenda a
escapar da rigidez dos hábitos de espírito formados ao contato com experiências
familiares. É preciso que cada um destrua, mais cuidadosamente ainda que suas
fobias, suas ‘filias’, suas complacências com as intuições primeiras” (BACHELARD,1999ª:8).
Essas parábolas desapertariam no leitor/observador
deste trabalho aquele estado de devaneio necessário para a aproximação
específica aos temas primitivos. Achei isso interessante porque somente
escrever sobre os temas me pareceu insuficiente. Assim, esses trechos de filme
poderão, além de ampliar a apreensão do que eu desejo mostrar, ajudar para que
eu mesmo tenha uma base em minha imaginação ao devanear sobre os temas
primitivos.
Ritmo
e Ritual – O Tempo
A
qualidade desta realização artística é a manutenção de uma consciência poética
do mundo e necessita de um evento para ser reverenciada. Mesmo sendo uma obra
associada ao que se chama “povo primitivo”, o importante é que através da
compreensão da situação criada por essa imagem, e sua posição arquetípica em
seu contexto sócio-cultural, revelam-se elementos desdisposição que podem estar
nos processos de criação artística, do imaginador, em qualquer outra situação.
Gostaria de sugerir que, nesses processos artísticos, o ritmo é uma posição
interna que será sempre a base de uma materialização estética ritualizada, que
aqui nesta imagem em especial pode ser observado mais claramente.
Como
acontece numa execução musical, esse ritmo é subjacente. Isso porque este marca
justamente essa qualidade anímica de um ciclo que se anuncia e é evocado, por
um pacto implícito, sempre no mesmo modo. O ritual criado esteticamente está
sempre ancorado numa necessidade de um ritmo e nisso vibra uma potência bem
específica, o Tempo. No caso dos Kayapó-Xikrin, o ritual marca, através da apresentação de um pintura específica, a
condição de um ritmo para um indivíduo. Embora seja um tanto idílica, encontrei
foi uma afirmação de Nietzsche numa referência às sociedades primitivas, citada
por Vygotsky, que reafirma essa minha reflexão:
“Ele
(o ritmo) gera uma vontade irresistível de imitar, de colocar-se em uníssono
não só com os passos que os pés lhe facultam como também com a alma que segue a
medida... Aliás, terá havido para o homem antigo e supersticioso algo mais útil
que o ritmo?”. (VYGOTISKY,1999:311).
É
claro que o ritmo sugere um impulso, mas o ritual é a forma de literalizar esse
impulso. É exatamente este aspecto que posso encontrar quando observo como se
dão as relações entre as sociedades chamadas primitivas e as manifestações
estéticas surgidas a partir das formas culturais que estas elaboram. Embora
seja característica de toda criação humana, é principalmente nesse contexto que
o ritual aparece como a elaboração estética pura de suas expressões artísticas.
Neste lugar o ritual não está escondido, dissimulado em discursos. Seu
principal movimento é se remeter ao ritmo que o impulsiona, é ser literal.
Esse
ritmo anímico, esse impulso poético, que sempre influencia essa criação
estética do ritual, parece ser também uma leitura das formas ritmadas e
cíclicas da natureza, como uma rendição e reverência a esta condição. A
estética do ritual é a metáfora materializada da poética do ritmo, numa
estética específica que me envolve pela consciência poética desse ritmo que,
por sua vez, é inspirado pela contemplação dos elementos cíclicos da vida.
Neste
sentido é que acredito que se criou um ritmo anímico arquétipo que sempre
influencia a criação estética do ritual, isto é, para materializar um ritual
tenho sempre um impulso poético de ritmo. Para o imaginador será imprescindível
sempre lançar mão do movimento ritmo/ritual para definir a exata qualidade do
drama do Tempo na sua relação com a alma artística. O ritual, assim, é uma
metáfora literalizada da consciência do ritmo. Para melhor apontar como a
qualidade dessa disposição ritmo/ritual permanece importante para os processos
de criação da imaginação gostaria de mostrar uma afirmação explicita desta
condição nesta reflexão de Andrei Tarkovski sobre a criação
cinematográfica:
O que
seria um “extremamente complexo
desenvolvimento dramático” além do ritual? E como pensar o ritmo como outra
coisa senão por uma pressão. Claro, o ritmo não é uma contabilidade, uma
seqüência de batidinhas, ele é a pressão da vida, da Divindade, sobre minha
consciência do instante. Esse evento que acredito explicitar ao propor a idéia
dessa disposição está presente no processo da imaginação. A criação imaginativa
precisa sempre levar em conta essa situação que a chamada arte primitiva revela
de uma maneira insubstituível. Num trecho do filme “Zatoichi”, encontrei uma
parábola para essa pressão do Tempo. Não vou descrevê-la, nem analisá-la, pois
esse não é objetivo aqui, mas proponho essa seqüência como um meio alternativo
para a apreensão do que entendo pelo tema primitivo do Tempo.
O Tempo pode aparecer tanto numa expressão horizontal como vertical. Sua
horizontalidade é, porém, um elemento ilusório que só pode ser provado pela
manutenção de alguma materialidade. Todavia, a durabilidade revela sempre uma
melancolia, pois, é possível restaurar a materialidade, mas somente quando se
age verticalmente através da reorganização de sua carga, de seu peso possível.
O projeto de manutenção é aquele que sustenta a carga do Tempo na materialidade
e reorganiza constantemente sua estabilidade.
Como na proposição do Wabi Sabi, a importância é manter a verticalidade
poética da matéria, pois aí está manifesta uma estética a cada instante em que
a olho.
O poema é vertical. O Tempo vivo lembra um cavalo que não apenas
cavalga, mas que também despeja sua carga de vitalidade quando bate seus cascos
constantemente no chão. Sem esse despejamento nunca existiria a cavalgada. O Tempo
bufa e relincha sobre aquilo que já tenho sido há milhares de anos como um
imaginador. O Tempo não é uma linha que perde e se desliga do que já aconteceu.
O Tempo não passa, é carregado. O importante em relação ao Tempo é a carga que
este me impõe. Isso nada se parece com uma seqüência em que coisas deixam de
existir ponto a ponto. A função da sua horizontalidade é baseada no esforço que
faço para carregar essa carga, o quanto agüentar.
Por este motivo é que espiritualmente não importa o acúmulo de
conhecimento horizontal. É possível conhecer tudo verticalmente, e essa é a
revelação relacionada ao tema primitivo do Tempo. Esta condição está também
expressa na imagem do prumo que apresentei antes. O conhecimento que importa
para o trabalho da alma artística é o vertical, aquele que é carregado de
energia do arquétipo. Não se aprende com o passar das coisas, mas sim
proporcionalmente à abertura que se suporta dar à verticalidade dessa entidade.
Por este motivo é que apenas o passar dos anos em si mesmo pode não representar
sabedoria nenhuma e, por este mesmo motivo, uma fração ínfima de segundo pode
revelar todo o universo.
A disposição do ritmo/ritual é o movimento do Tempo quando mostra o
trato da sua carga. O ritmo é a pancada do Tempo que o ritual reverencia. A
duração do ritual, e por isso este carrega uma imensa carga mística, só pode
ser medida na verticalidade do assombro que visa equalizar pelo ritmo que está
subjacente. O Tempo é uma verticalidade que se arrasta, como um furacão. Por
isso seu desenrolar tem uma noção de poder destrutivo, de desatino, destino e
fatalidade.
A observação da potencialidade do Tempo nos processos da alma artística,
na imaginação, implica em elaborar e realizar um ritual que reverencia, antes
de qualquer coisa, a urgência de uma escolha de um ritmo possível de ser
empregado diante de uma situação implacável, na imposição de uma atuação que
não pode ser protelada. Neste sentido, o Tempo, enquanto proposição de um tema
primitivo, não é um passeio que posso realizar e desfrutar, mas, uma estrondosa
manifestação instantânea que despenca sem descanso sobre minha existência e que
me obriga a reagir.
Reflexão e Mitologia – O Divino
Prato grego de Exekias representando Dionísio
(530ac), que está no Museu de Coleções Estatais de Antiguidades,
Munique-Alemanha.
Nas
elaborações estéticas com situações mitológicas, na dupla de disposições
reflexão/mitologia, percebo que existe um profundo senso de reflexão sobre o
mundo e uma intensa vontade de explicar como este se organiza. Não é uma
reflexão racional, mas sim poética. Ocorre um impulso interior, anímico, para
entender o mundo e se relacionar com este através de uma criação de figuras e
contextos metafóricos que explicam este mundo de uma maneira específica. Foi na
introdução de uma concepção da alma que deveria tomar de consciência sobre si
mesma, que é inaugurado, especialmente através da experiência dos mistérios
órficos, um impulso poético profundamente reflexivo que cria explicações
estéticas mitológicas acerca do mundo que são como desdobramentos metalingüísticos
da própria interioridade psicológica.
“...uma
religião que deixa de ser uma religião da exterioridade, isto é, do culto para
ser uma religião da interioridade, isto é, da ascese moral e da catarse da
alma”. (CHAUÍ,1994:56).
Em
toda civilização há a relação entre reflexão e mitologia, mas escolhi uma
imagem do evento da cultura grega, o prato pintado por Exekias em que retrata
Dionísio, que penso pode dar respaldo a essa afirmação de um modo bem evidente
e porque me mostra isso de uma maneira mais eloquente. São também interessantes
para demonstrar essa disposição as explicações do mundo atribuídas aos
pré-socráticos e também aquelas atribuídas ao próprio Sócrates. É seu principal
indício o impulso poético/filosófico incontestavelmente associado a todos os pensadores
deste período, mas que, de uma maneira peculiar, mantiveram a elaboração de
imagens mitológicas nas suas criações estéticas. Neste sentido, parece-me que o
esforço em refletir poeticamente sobre a origem das coisas, cria uma explicação
mitológica do mundo. Para o imaginador, essa condição da disposição
reflexão/mitologia que pode ser apreendida muito bem nesse contexto, dá a
oportunidade de criar seus próprios elementos mitológicos para dialogar com a
alma artística em seus melhores momentos. É aqui que o imaginador encontra a
possibilidade de elaborar uma compreensão do tema do Divino e da sua
importância na força de seus trabalhos artísticos.
As
personagens mitológicas são sempre relacionadas aos fenômenos do mundo, e da
especificidade humana, explicados por uma reflexão poética. Essa disposição
pode ser observada também nas criações atuais, a relação reflexiva que inventa
mitologias sempre foi uma peça importante para o processo da imaginação desde
que aparecem imagens criadas pelo ser humano.
Para
ilustrar ainda mais essa afirmação uso uma frase atribuída a um dos primeiros
filósofos da humanidade, Heráclito, considerado como um fundador da filosofia,
em que a reflexão sobre o universo desconhecido é expressa numa metáfora
mitológica:
“Este
mundo, o mesmo para todos, nenhum dos deuses, nenhum dos homens o fez; mas era,
é e será um fogo sempre vivo, acendendo-se e apagando-se conforme a medida” (CHAUÍ,1994:68)
Como
disse, esta disposição é encontrada em lugares contemporâneos também. Andrei
Tarkovski outra vez ajuda ao refletir sobre a imagem cinematográfica
metaforicamente, de uma maneira totalmente mitológica. “...a imagem não é certo significado expressado pelo diretor, mas um
mundo inteiro refletido como que numa gota d´água” (TARKOVSKI,2002:130).
Na imagem do prato grego, vejo um barco à
vela, sete golfinhos circundando o barco e nadando à sua volta, sete cachos de
uva pendentes de uma videira com três troncos que se abrem em quatro galhos e
que está no mesmo lugar do mastro do barco. Dionísio também leva algo nas mãos.
Essa imagem mitológica do barco em rota vertiginosa aparece em muitas
explicações sobre essa qualidade específica e intensa da vida, como, por
exemplo, explica Foucault:
“Outro símbolo do saber, a árvore (a árvore
proibida, a árvore da imortalidade prometida e do pecado), outrora plantada no
coração do Paraíso terrestre, foi arrancada e constitui agora o mastro do navio
dos loucos...” (FOUCAULT,1976:26)
O
importante, porém, é perceber aqui, independente dos significados e
representações possíveis, como as escolhas do artista, do imaginador constroem
uma imagem que revela exatamente como pode nos afetar a disposição
reflexão/mitologia. É o estado a que a observação da imagem me transporta o que
interessa. Todas as imagens que provocam uma reflexão poética em mim, através
da elaboração de uma estética mitológica dependem desta disposição. Deste mesmo
modo, a qualidade fundamental dessa disposição é a de ter o poder de alçar-me
ao campo onírico mais abstrato diante dos processos da imaginação. A navegação
não é estável e precipita-se numa odisséia sem garantia. Tudo de repente pode
mudar e transformar o curso em queda, em afundamento. Embora
o viço da vida esteja encravado ali e conduza sua rota.
Através
dos impulsos reflexivos que forçam a criação estética mitológica percebo a potência
do tema primitivo do Divino. Este é o tema das alturas, da falta de ar, da
vertigem, do pequeno, do ínfimo, do silêncio, do abandono, de um tipo de morte
muito especial e, principalmente, da queda, do afundamento potencial. Nisso,
esse tema tem uma propriedade próxima às crianças. Não é a criança uma
constante desestabilidade navegante e sem rumo? Para encontrar esse tema
primitivo é preciso se render ao processo da imaginação e da mentalidade
infantil que está alojada em
mim. Algumas das melhores criações sobre a divindade estão
nas mãos das crianças. Num pequeno livro, “Vengo del Sol”, Flavio Cabobianco, então
com 9 anos, elabora uma incrível descrição da Divindade que eu já encontrei.
Essa
indicação, da ligação direta das crianças com a divindade, é muito forte em
várias tradições de religiosidade que promulgam essa relação. Pela condição de
ter penetrado pouco no desenvolvimento da personalidade, aquela que me
distancia da alma, a criança está diretamente em contato com a novidade divinal,
em seus desejos, espiritualizado. Ela é o único real representante do mundo
livre anterior à racionalidade.
O tema
primitivo do Divino é importante quando mostra a diferença entre as coisas
tratadas pela personalidade ou elaboradas pela alma. Como a personalidade exige
justamente uma vivência concreta, uma experiência para se coagular, a criança
está desta maneira num ponto especial para encontrar os sonhos da alma, que
está fora do tempo.
Esse tema
primitivo é o movimento da negação da personalidade como única coordenadora da
experiência de vida. Aparece quando a personalidade se solta, desiste e se
entrega à queda vertical. Quando se entrega ao sonho e à queda infantil, a
queda sem medo. A criança não foi dominada pela espécie de medo e ilusão da
personalidade. Sugiro um trecho do filme “King Kong” como uma parábola para
fomentar os aspectos arquetípicos deste evento. Ali podemos ver materializado o
momento em que a alma se encontra com a personalidade durante a cerimônia
iniciada pelo Divino. A queda e a separação são seu destino. O imaginador usa
este tema primitivo em sua criação artística.
Assim,
esse tema primitivo força o abandono desse medo e dessa ilusão justamente
quando desisto e caio, morro para a imposição da continuidade da personalidade
e abandono a própria concepção que me faz acreditar na dicotomia entre morte e
vida. Quando perco essa crença estou no momento de maior força. Este tema
aponta, então, a eternidade, porém, o eterno não é aquilo que vive para sempre,
mas aquilo que em sua queda mística, está incompreensivelmente fora da esfera
do viver e do morrer.
Devoção e Religiosidade – O Sacrifício
“Martírio de São Vicente”,
datado de 1007 dc e de autor desconhecido, está na basílica de San Vicenzo em
Galliano de 1007: (ARGAN,2003:333)
Vislumbrei
a relação religiosidade/devoção a observando como introspecção anímica,
principalmente, no profundo envolvimento entre o poema, as orações e textos
proféticos em toda a manifestação de religiosidade que se estende pela
experiência estética medieval, cuja uma das representações mais expressivas
pode estar na concepção da poética do Cristo. Aqui é um impulso devocional que
cristaliza as formas religiosas e a estética peculiar a esta consciência, e é
aqui que o imaginador tem seus recursos disponibilizados ao seu processo
criador.
A
situação de sacrificial contida nas proposições devocionais/religiosas é uma
disposição que está em qualquer situação de imaginação e dos processos
artísticos, porém, escolhi o afresco “Martírio de São Vicente”, datado de 1007
dc e de autor desconhecido. A imagem mostra uma cena referente à lenda em que o
santo teria sido martirizado horrivelmente inúmeras vezes e mesmo assim se
mantinha vivo e não sentia dores. A coisa se estendeu por tantos dias que foi considerado
um milagre de fé. Novamente, o que interessa não é a obra e a história em si,
mas a sensação e o lugar a que esta imagem pode me levar. Esta qualidade é o
potencial contido na disposição devoção/religiosidade de que todo imaginador
lança mão em seu processo de criação e que o faz alçar o tema primitivo do Sacrifício.
A
disposição da devoção é fundamental para a criação estética porque garante a
profundidade da expressão de religiosidade. A obra estética é essencialmente
espiritual e isso é nutrido pela relação devoção/religiosidade. O imaginador é
um devoto e com isso cria movimentos de religiosidade para manter o trabalho
voluntário de sua espiritualização, o Sacrifício, custe o que custar.
“Existe
um tipo de crucifixo conhecido como ‘Cristo Triunfante’, onde ele não aparece
com a cabeça pendida, nem vertendo sangue, mas com a cabeça ereta e os olhos
abertos, como tendo se dirigido voluntariamente à crucificação”. (CAMPBELL,1990:147)
O que
vejo sempre é um impulso devocional que cristaliza as formas religiosas e uma
estética peculiar pertencente a esta consciência poética. Esta peculiaridade é
o sentido religioso que nutre uma sacralidade para a atuação imaginadora. A
disposição da devoção é fundamental para a criação estética porque garante a
religiosidade do fazer artístico. Esta importância da devoção no processo
artístico está claramente expressa por Andrei Tarkovski:
“O
homem moderno, porém, não quer fazer nenhum sacrifício, muito embora a
verdadeira afirmação do eu só possa se expressar no sacrifício... O artista, porém, não
pode ficar surdo ao chamado da beleza; só ela pode definir e organizar sua
vontade criadora, permitindo-lhe, então, transmitir aos outros sua fé. Um
artista sem fé é como um pintor que houvesse nascido cego.” (TARKOVSKI:2002:41;48)
A obra
estética é essencialmente espiritual e isso é alimentado justamente pela
relação devoção/religiosidade. O imaginador é um devoto de seu universo
imaginário e com isso cria movimentos de religiosidade para manter o trabalho
de sua própria espiritualização e a do seu mundo.
O mote
do tema primitivo do Sacrifício, que flutua entre a devoção poética e a
religiosidade estética, é adaptação, esse é o seu principal movimento. Aqui
nada pode ser condenado, pois tudo pode ser adaptado. Ou seja, o imaginador não
desiste de seu projeto,mas encontra maneiras de adaptar-se a qualquer
necessidade para continuar a glorificá-lo. A complexidade das experiências é
completamente imprevisível. O Sacrifício é o movimento que abandona qualquer
atenção a uma condenação, a um preconceito. Não é possível prever nada, porque
tudo pode ser imediatamente transformado de um segundo para outro. Esse prenúncio
de transformação é uma obra constante do Sacrifício. Tudo pode acontecer quando
eu incorporo a possibilidade desse tema primitivo. Devoção/religiosidade é o
eixo que elabora o Sacrifício. O Sacrifício se dá através do movimento dessa
disposição porque se entrega e se adapta e porque não acredita em sua
condenação.
A
proximidade entre uma certa loucura e a precipitação ao Sacrifício é dirigido
por uma convicção interna, uma devoção que espera provar sua fé pelo
desencadeamento de seu ato no mundo. O Sacrifício visa sempre afetar e
transformar o outro ao impor uma situação e um caminho. No filme “Fogo Sagrado” há um trecho que é também uma parábola dessa condição e pode expor o teor
delirante desse tema incrementando a compreensão do que eu quero dizer. Quando
me lanço em qualquer direção sabendo que é justamente essa irracionalidade que
fará com que eu encontre um caminho sagrado novamente pratico o Sacrifício.
Quanto
menos os motivos dessa entrega são explicitados mais força este pode acumular.
Sua principal potência é garantir a entrega total ao objetivo do imaginador em
seu processo de criação, do ato que fará materializar sua intenção poética. Não
há como explicar esse processo, pois a imperiosidade da adaptação devocional
precisa urgentemente fisgar aquilo que será sua transmutação. E, assim, pelo
principal apelo deste tema, transmutando a si mesmo em Sacrifício seria
possível transmutar o mundo todo.
Identidade e Humanidade – A Verdade
“Sagrada Família” de El Greco, realizada e meados de 1580 dc, é
realizada em óleo sobre lienzo, mede 178 x 105cm e está no Museu de Santa Cruz
em Toledo.In: (SCHOLZ-HÄNSEL,2004:2)
Encontrei
a idéia acerca da identidade/humanidade na inauguração do ser humano individual
dominando a natureza, coisa que é bem elaborada no contexto do Renascimento, e
tomando das mãos de Deus a sua responsabilidade com o mundo, expressa numa
constante criação de imagens em que o ser humano é extremamente valorizado e
figura sempre como o tema mais importante:
“A
idéia do homem, que finalmente conquistou sua própria personalidade, em carne e
osso, que descobriu o mundo e Deus em si mesmo e ao seu redor depois de séculos
de adoração do Deus medieval, cuja contemplação o privava de sua força moral.” (TARKOVSKI:2002:54)
A
poética que está nessa relação é, então, toda aquela que valoriza a identidade
do imaginador envolvido em seu próprio mundo, do ser humano e desse seu mundo
material, da materialidade. A afirmação estética dos desafios da humanidade
exige um impulso poético que elabora internamente uma célula de identidade. Uma
individualidade que em seu movimento é capaz de ser inédita, tem o poder de consolidar,
a cada criação, os primeiros momentos de uma concepção de existência da
humanidade. Aqui, é importante tudo o que diz respeito a ser humano e suas
possibilidades.
“Se a
história, como experiência já vivida e portanto resolvida, não tem mais um
valor determinante, e o que conta são somente as situações humanas e o modo
como cada um enfrenta as dificuldades espirituais da existência, as tradições
transmitidas perdem todo o vigor e a troca das experiências individuais
torna-se tanto mais necessária quanto mais as experiências são diversas entre
si.” (ARGAN,2003:24)
Na
imagem que escolhi, “Sagrada Família” de El Greco, de 1580 dc, as
características dessa disposição são expressas claramente. Retrata o menino
Jesus e sua família sem nenhuma qualidade diferente daquela que explicita a
materialidade de sua identidade e drama em ser humano. A figura lendária da
personagem Jesus Cristo é aqui identidade humana pura, está entre a humanidade.
Todavia esta imagem não é reduzida à representação meramente realista. A
identidade é um impulso poético que também está envolto em um mistério que
aponta uma novidade ao imaginador, essa novidade é uma ansiedade que se
relaciona com sua possibilidade diante do resto da humanidade. Ou seja, uma
ansiosidade pelo mistério relativo ao de que eu mesmo, minha obra, minha
identidade pode representar para os outros, pode afetar e modificar os outros.
Esta
disposição reafirma que o impulso poético de identidade deve ser aquele que
cria uma materialidade estética que é sempre pretensa de instaurar uma
originalidade, mas, também de expandir a consciência dessa originalidade de
humanidade. Não sou importante por estar ligado a uma ou outra tradição, mas
por carregar a potência de uma novidade completa e insubstituível. Esse é o
movimento da imaginação que pretende colonizar o que é ainda parece misterioso.
Aquele movimento que pretende estetizar as fronteiras do mundo.
Para a
condição dos processos da imaginação atuais, eu encontro essa disposição como
algo que sempre força a negação de idéias hegemônicas. Reconheço essa
disposição em sua posição de responsável por preservar a originalidade das
criações humanas e pelo poder de resistir em seu movimento à nivelação e
pasteurização da imaginação.
Por
isso, foi nesta movimentação criadora entre identidade/humanidade encontrei o
tema primitivo da Verdade. Este tema se mostra a mim não através de uma
concepção de justiça, mas, ao contrário disso, esse tema primitivo diz que não
há como negociar uma condição estável para a existência. Qualquer estabilidade
será sempre uma imposição. A vida é bruta e vivenciar essa condição
artisticamente é desenvolver o tema da Verdade. A Verdade não é saber o que é
ou o que não é, mas desenvolver uma aproximação ao drama injustificável da
implacabilidade da vida. O movimento desse tema na imaginação requisita uma
noção ampla das coisas que deve reagir aos padrões moralidade que tentam manter
uma estabilidade arbitrária.
O
passado, o futuro e todas as coisas estão no mesmo ponto, no mesmo instante. A Verdade
é o tema da intuição que revela e delira diante da totalidade insuportável e
injusta da existência. O elemento desse tema primitivo é o espanto diante dessa
implacabilidade. A Verdade é imparcial e louca. “Pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para confundir
os sábios; e Deus escolheu as coisas fracas do mundo para confundir as fortes”. (Coríntios,1:27)
O
trabalho que apenas elabora uma fachada de equilíbrio é o da fantasia e este se
afasta da disposição identidade/humanidade, assim como disse antes que o
trabalho da personalidade é diferente do trabalho da alma. A mentira é que é
convincente, o verdadeiro que me aparece aqui é amoral e injustificável. Este
paradoxo é que alimenta o potencial criador desse tema. Diferencio aqui uma
situação fantasiosa que a personalidade comumente fabrica, de uma outra
condição anímica típica da imaginação poética. Lembro Bachelard numa declaração
que se refere à essa situação:
“Não é
raro reconhecer nessas imagens poéticas uma consistência particular que não
pertence a imagens reunidas pela fantasia. Elas são dotadas da maior das
realidades poéticas: a realidade onírica.” (BACHELARD,2001:30)
E a
realidade onírica nunca foi e nunca será dedicada à formatação de uma
moralidade como a fantasia pode ser. O tema primitivo da Verdade é uma potência
motriz destes movimentos da realidade onírica que invade o mundo seja qual for
a condição do momento. O impulso desse tema se aproxima da relação que pode
estabelecer a alma artística com as imperiosas e sublimes catástrofes da
existência. Essa é a força que realiza a intuição desse tema, uma tragédia que
é possível ser vivida. No trecho de filme que separei para apresentar a
parábola da Verdade, “Assassinos por Natureza”, acredito propor uma oportunidade
para apreender a sensação da Verdade subjacente e implacável que me surpreende,
e que a fantasia sempre tenta simular. Aqui a tragédia não se esforça para
parecer aceitável, pois isso é em si mesmo um artifício. A imoralidade com que
o processo artístico deve conviver em seu filosofar indefeso está aqui no
encontro entre o imaginador e esse tema primitivo. Desse encontro fatal, desse
ciclo material injusto, ninguém pode escapar.
Dinamização e Sociedade – O Ser

A disposição
dinamização/sociedade carrega imediatamente uma noção de uma disseminação dos
elementos da poesia e da estética artística para todo o ambiente da sociedade.
Isso se manifesta com muita força nos primeiros momentos da estética moderna. O
ideal de uma cultura artística socializada, em que não fosse um privilégio
usufruí-la, mas sim uma vocação humana, está presente neste período nomeado de
arte moderna. No clássico texto de Walter Benjamin sobre o fenômeno da
reprodutibilidade técnica das obras artísticas e do que este autor afirma ser a
“queda” da aura da arte estão claros para mim os indícios dessa dinamização de
significados. Vejo que esta situação/condição de reprodutibilidade, em
diferentes aspectos para cada período, sempre tenha existido, porém, eu
acredito que encontrei um ponto exato para dar o exemplo de uma estética de
socialização a partir de uma poética de dinamização, principalmente pela
característica desse período em revelar os inúmeros elementos internos, saberes
e sistemas do processo artístico, iniciando a possibilidade de o imaginador
mergulhar no cotidiano da sociedade, instalando um conceito de libertação
associado diretamente à criação artística.
“Os
dadaístas davam muito menos importância à utilização mercantil de suas obras do
que ao fato de que não pudessem elas se transformar em objetos de
contemplação... Chegaram, assim, a despojar radicalmente de qualquer aura as
produções às quais emprestavam o estigma da reprodução”. (BENJAMIN,2000:248).
Tomei
a imagem de uma pintura sem título de Alfredo Volpi. Mesmo que as pinturas
desse artista não estejam tão próximas do Dada, a sua característica
fundamental está ligada à incorporação desta capacidade de dinamização por uma
estética de qualidade extremamente acessível.
Não porque esta estética seja menor ou de pouca elaboração, mas porque
essa qualidade é intrínseca ao próprio universo poético que remete. Essa grande
importância da dinamização poética para toda a sociedade pode ser também entendida
a partir de uma reflexão de Andrei Tarkoviski, ao dizer do artista, mas que eu
estendo a todo ser humano imaginador:
“...um
indivíduo que decidiu formular para todos os outros, com absoluta sinceridade,
sua própria verdade sobre o mundo...” (TARKOVSKI:2002:161).
Isto
porque o imaginador fala, a partir deste momento, sobre sua própria visão de
mundo e da necessidade de quebrar as formas de prisão da expressão artística em
apenas determinados locais privilegiados. Nesse aspecto o trabalho de Volpi
fornece uma grande oportunidade. Basta aproximar um pouco que seja de seu fazer
artístico para compreender como essa dinamização poética foi tão importante
para a elaboração cotidiana de sua obra estética.
“Quando
falamos de coisas que nos são caras, ficamos imediatamente ansiosos por saber
como as pessoas irão reagir àquilo que dissemos, e desejamos proteger essas
coisas, defendê-las contra a incompreensão.” (TARKOVSKI:2002:161)
Volpi
cria seus trabalhos de uma maneira reprodutiva. Muitas de suas obras repetem o
mesmo desenho para apenas reelaborar as cores. A afirmação dessa cadência é uma
característica essencial para qualquer processo de imaginação e criação. A
poética dinamizadora anseia por comunidade. E, neste sentido, anseia por
humildade. O desejo do imaginador agora é expor, a todos, as idéias que
acredita possam afetar o mundo, principalmente porque realmente passou a viver
por isso, e que este mundo seja de todos. Este é um impulso poético que se
incorpora na alma do imaginador e que define seu processo de criação estética.
A potência
que exala desta disposição está severamente ligada à temática do Ser e é, como
todas as outras, extremamente dramática. Seu mundo é o da morte e o da
sobrevivência, da encarnação e guerra, saga e anulação. Esse elemento primitivo
suporta toda condição da humanidade. O tema primitivo do Ser é o palimpsesto de
uma existência de tantos milênios. O Ser aqui não é reconhecer-se, mas,
exatamente o contrário, encontrar o imenso e insubordinável momento de não se
reconhecer. Ser, diante da eternidade, é estar na insuportável e injustificável
fragilidade da vida sem qualquer garantia de continuidade. É mergulhar não na
sua própria história, mas na saga da consciência. Todas as expressões desse
tema são relacionadas ao perder-se, seja onde for. É o fantástico, o mágico no
dia a dia. É como estar num ponto anterior à elaboração das explicações do
mundo. No filme em que encontrei a parábola do Ser, “Homem do Ano”,
proponho que essa irracionalidade expresse um teor e uma sensação dessa
situação paradoxal do Ser. Também espero que a pequena sequência possa
acrescentar uma dimensão ampliada para o tema primitivo ao desencadear sua
compreensão pelo envolvimento com sua dramaticidade através dos sentimentos
envolvidos no processo de criação artístico sob essa emanação.
Alçar
o tema primitivo do Ser é pular para trás, saltar ritualisticamente para o
escuro à minhas costas. O tema do Ser é o tema que pode demonstrar uma
qualidade irracional ainda não organizada pela pretensão da razão. Essa
antecipação é importante porque a razão nunca será um tema primitivo, justamente
porque nega o inefável estado anímico/espiritual. As elaborações de uma alma
artística são aquelas que disponibilizam esse impulso da existência humana
irracional que almeja a disseminação da comunidade e preservação da sociedade.
É também a capacidade de perceber o eterno atávico, ainda incomensurado, de que
sou parte e em cuja existência estou mergulhado junto com todos os outros seres
humanos.
Equanimidade e Panculturalidade – A União
Na
dupla de disposições, equanimidade/panculturalidade, acredito que a estética
contemporânea pode ser a melhor aparição de uma expressão de panculturalidade.
E uso o prefixo pan justamente para
denotar uma noção de paganismo, de uma qualidade panteísta. Ao contrário de uma
idéia de pluraridade, que sugeriria somente uma realidade multifacetada, indico
uma condição mistificada.
A
panculturalidade é uma movimentação para um mundo que não se defina pela
aglomeração de inúmeras culturas lado a lado como um caleidoscópio, mas, ao
contrário, por uma diluição dessas culturas numa única situação estética, que
compreenda o ser humano em essência.
Neste
sentido, o impulso poético da equanimidade, que creio ser um aspecto muito bem
definido na estética contemporânea pancultural, está exatamente influenciando
essa última como uma consciência do mundo que não pode acreditar que diferenças
e diversidades apenas devam conviver em tolerância, mas que, muito mais
profundo que isso, não pode negar que a vida e a relação com ela é, em si
mesma, essa mistificação de experiências que são, antes de tudo, manifestações
que apontam para a consciência de uma única experiência humana. Essa minha
concepção encontra alento na sugestão de uma “alteridade absoluta” de que fala
Mikhail Bakhtin:
“Fora
de Deus, fora da confiança numa ’alteridade absoluta’, são impossíveis a
autoconsciência e o discurso sobre si mesmo, e isto não porque na prática estas
sejam operações absurdas, mas porque a confiança em Deus é um elemento
constitutivo, imanente à pura autoconsciência e ao discurso sobre si mesmo.” (BAKHTIN,2000:159).
Equanimidade
é o impulso poético muito importante para a criação estética da humanidade e,
embora acredito que estivesse sempre vivo nos inúmeros momentos da criação
artística, assume uma luminosidade fundamental nas condições atuais da imaginação
e consequente criação estética. Quando reconheço que não existem diferenças
porque não as vejo mais, porque já encontrei a essência da existência humana ao
encontrar o outro em mim mesmo, e eu mesmo nesse outro, encontro algo que me
mostra as minhas inúmeras possibilidades de existência imaginadora. Esse é um
início de compreensão do que possa ser uma aproximação ao impulso poético da
equanimidade. O que sugerem então estas afirmações de Andrei Tarkoviski, senão
essa necessidade poética que descrevi como uma disposição fundamental para a
obra do imaginador na sua paixão pela alma artística:
“A
imagem artística não pode ser unilateral: exatamente para que possa ser chamada
de verdadeira, ela deve unir em si mesma fenômenos dialeticamente contraditórios ...um relato pleno daquilo que preocupa,
estimula e desconcerta nossos contemporâneos: uma verdadeira corporificação
daquela experiência generalizada que falta ao homem moderno, e cuja
concretização é a razão da arte do cinema ...Não podemos perceber
o universo em sua totalidade, mas a imagem poética é capaz de exprimir essa
totalidade ...A busca da perfeição leva um artista a fazer descobertas espirituais, e
a empregar o máximo de esforço espiritual. A aspiração do absoluto é a força
que impele o desenvolvimento da humanidade”. (TARKOVSKI:2002:61 a 133)
A
imagem que escolhi para estudar essa disposição está entre uma grande série de
obras de Wim Delvoye chamada de artfarm, em um subgrupo de imagens
chamadas pigskins. A obra se trata do
couro tatuado de um porco que, depois de abatido, foi resgatado pelo
artista. O desenho foi tatuado na pele
do animal ainda vivo, quando sedado, e remete prontamente ao impulso poético da
equanimidade imediatamente ao ler o texto inscrito no couro: “One Life, One
Love, One God”. A partir dessa proposição escrita a própria materialidade da
peça me transporta a um lugar em que não posso definir regionalismos,
identidades ou particularidades de nenhuma espécie, ou melhor, em que posso e
devo reconhecer tudo isso simultaneamente.
A
imagem consegue me atrair seja qual for a lente que eu escolha usar para me
precaver de seu efeito. O impacto da proposta da peça, embora acredite que ao
vivo possa assombrar ainda mais, coloca-me imediatamente numa posição humana e
questiona minha necessidade de dividir opiniões e defender pontos de vista. A
implacabilidade da condição dessa imagem anula qualquer orientação
preconceituosa e determinista sobre o que estou vendo. Quando compreendo que
quem vê é o ser humano, e que esta peça é responsabilidade de todos os humanos,
assumo a disposição a que a referenciei.
Intrínseco
ao movimento dessa disposição está o tema primitivo da União. O que de mais
importante tenho a dizer sobre esse tema é que é preciso mudar a perspectiva
pela qual é compreendida a condição estética que chamei de panculturalidade.
Por exemplo, acredito que uma das racionalizações que poderiam se iniciar a
partir daqui sobre o tema da União tenderia a cultivar a idéia de que União é
perfeição. E também estaria presente nas reflexões sobre esse tema o testemunho
de que a perfeição é impossível e que por isso é importante “equanimizar” as
coisas. Prefiro redimensionar este caminho, pois, a perfeição aqui é um
elemento do tema da União, mas deve ser entendida como uma negação ao que é
modelar, ou seja, no movimento de negar qualquer modelo é que quebro qualquer
possibilidade de ver imperfeições. O conceito de perfeição que renomeio é
exatamente a potência poética que alerta para a compreensão de que não há nada
em que eu possa me basear para decidir o que é perfeito. Somente a partir dessa
constatação é que anima-se a perfeição, ou seja, a única perfeição possível é a
própria consciência de sua impossibilidade absoluta.
Se eu
digo que a perfeição é impossível porque o ser humano é incompleto, é preciso
entender que existe um modelo implícito nisso. Como eu reconheço a
incompletude? Somente se eu impuser, mesmo que inconscientemente, um modelo. O
tema da União que vejo é aquele que mostra uma possibilidade primitiva de
negação dos modelos. Estou unido quando perco completamente a pressuposição de
um modelo de comparação. Filosofar sobre o tema da União é o agente que
impulsiona a quebra do modelo. Unir-se é abandonar todo e qualquer modelo.
Por isso é que a disposição
equanimidade/pancuturalidade mostra o movimento da União que sempre floresce.
Pelo impulso que se expande em polissemia, mergulhando em si mesmo ao seguir
essa sua potencialidade poética para ser todos num só, sem restrição. Na
panculturalidade, o paganismo se torna um elemento que elimina a possibilidade
do modelo, pela admissão da importância da extensão das miríades de campos
culturais envolvidos na experiência artística, cujos campos psicológicos terei
liberdade, ao adotar essa premissa, de invadir sem relevar fronteiras. O
paganismo não permite uma fixação de modelo para comparação.
Uma
importante reflexão que ajudará aqui está numa pequena obra em que Carl Jung
apresenta como sincronicidade. Embora esse autor conclua que “a sincronicidade não é uma teoria
filosófica, mas um conceito empírico que postula um princípio necessário ao
conhecimento” (JUNG,2002:77),
algumas páginas antes o autor aponta filósofos e abordagens filosóficas como
precursores da sincronicidade. Tomo a proposição de sincronicidade, mas como
uma condição arquetípica. E arquetípico é aquilo que tem a qualidade de poder
ser compreendido, ou não, imediatamente por qualquer pessoa. Tomo a liberdade
de entender a sincronicidade, revelada por Jung, não como simultaneidade, mas
como equanimidade. Na parábola que proponho para este tema, um trecho do filme
“Dia de Treinamento”, é possível sentir a movimentação da disposição
equanimidade/panculturalidade e entender a sincronicidade desenvolvida pelo
tema da União. Quando o humano, seja em que situação, pode ser revelado em sua
dramaticidade, deixamos de eleger modelos e imposições culturais para assumir
simplesmente nossa humanidade. E essa é uma das propostas da alma artística que
quero apontar aqui.
Um dos
processos artísticos em que podemos ver claramente essa potencia atuando está
na realização cinematográfica. O cinema não é realizado senão com um grande
grupo e com grandiosos esforços. Esses esforços remetem e são o ensaio para a
compreensão da movimentação da disposição equanimidade/panculturalidade que
acaba por sucumbir ao tema primitivo da União. Numa grande realização, o que
também acontece, por exemplo, na engenharia construtiva, a energia que é
imposta é a que exige aquela noção de sincronicidade. Sem a presença desse deus
arquetípico, não pode ser realizado nada na escala desse tema primitivo.
A
partir disso, afirmo o teor filosófico da atitude artística acima de tudo, pois
acredito que assim fica mais próxima de todos os humanos a possibilidade de
vivenciá-la. Acredito que essa seja a importância desse tema que me abre a
imaginação, a de ver o mundo com minhas próprias condições e limites, mas
incorporado a um trabalho que exige sincronicidade. Que me devolve ao mundo a
cada momento. O que interessa aqui é que o grande milagre desse tema primitivo é
permitir que eu viva a sincronicidade, porque este é o milagre da possibilidade
do conhecimento direto, a intuição filosófica ingênua.
O Arquétipo e o Cultivo da Alma
Aqui também o caminho para a compreensão desta qualidade específica e a importância que este arquétipo, esta visão, e visão significando uma aparição sensorial completa e não apenas um viés de idealização, de uma alma artística conceitualizada através de uma profunda semiótica contida nas próprias palavras que elenca, que pode representar uma gênese para o processo artístico, que é o processo dessa mesma qualidade anímica de todo ser humano, assim como para a própria formação humana, pode começar a partir de uma das reflexões de James Hillman:
“O cultivo da alma é também
descrito como imaginar, ou seja, ver e ouvir por meio de uma imaginação que
enxerga a sua imagem através de um evento. Imaginar significa libertar os
eventos de sua compreensão literal para uma apreciação mítica. Cultivo da alma,
neste sentido, equipara-se com des-literalização; aquela atitude psicológica
que suspeita do nível dado e ingênuo dos acontecimentos e o rejeita para
explorar seus significados sombrios e metafóricos para a alma”. (HILLMAN,1983:55).
Acredito e proponho que neste arquétipo estão elementos anímicos fundamentais com os quais todo ser humano, enquanto este ser imaginador, deve se encontrar ao se movimentar pela sua imaginação, num desejo atávico e inegavelmente arquetípico, pelo seu reconhecimento e seu desenvolvimento espiritual através deste cultivo da alma. Esta perspectiva dos temas primitivos, aqueles de que a existência Gaston Bachelard nos alertava, afirma aqui esta qualidade humana muito importante para os trabalhos que consideram a compreensão da alma e seu cultivo como fundamental para qualquer construção sua e, seja esta ideial ou material, à qual obrigatóriamente estará intrinsecamente relacionada e, portanto, imprescindível de ser encontrada. Se a alma é mencionada como um elemento inaugurador da especificidade humana, se é realmente o que diferencia a profunda essência de um ser humano e que pode consagrar sua experiência, é mais que necessário dimensionar uma visão de sua existência e de sua substância. Este arquétipo propõe uma definição, um deciframento das características que esta alma parece manifestar, delineando seus principais e fundamentais aspectos e elementos.
As doze disposições e os seis temas primitivos pretendem compor uma chave, uma base que pode provocar, evocar o aprofundamento do processo artístico e formativo ao ser refletida diretamente por aquele que, por si mesmo, tenta encontrar o significado e a significação de cada uma das palavras escolhidas e da relação entre cada tema e suas disposições enquanto um signo em si mesmo. A compreensão proposta de que este arquétipo está presente em toda obra, toda elaboração de qualquer atividade humana, o coloca no ponto inicial para qualquer reflexão, qualquer impulso de criação, de fabricação ou de reflexão, para que este mesmo processo tenha um aprofundamento e para que sua realização ou materialização possa absorver e desenvolver a maior e a melhor possibilidade para uma expressão humana. Através da apresentação deste arquétipo total, no esforço pela sua hermenêutica e pela sua fenomenologia, acredito que seja possível alcançar, além da capacidade de estudar as suas obras, ainda sugerir um maior e mais abrangente espectro, não somente na descrição de um modelo, mas numa demarcação das fronteiras de nosso espírito onde as propriedades anímicas navegam na escala da nossa humanidade.
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