23 de ago. de 2015

clouds (photomontages)


Nuvens são os poemas que a água escreve...


Minha vida poética certamente começa quando eu ainda era uma criança e observava as nuvens deitado no chão. Por horas eu as contemplava em sua maravilhosa qualidade. As nuvens sempre me impressionavam imensamente. Nas manhãs eu corria logo cedo ao levantar para ver como estavam no novo dia. Será que estavam carregadas e pesadas, se estavam leves bem alto no céu? Negras e amedrontadoras? Suaves e bem-aventuradas? As formas que as nuvens criavam sempre provocaram a minha imaginação. Sua magnitude. Flutuando. Água flutuante. Gigantes. Suas incontáveis possibilidades de formas. Sua ilimitada capacidade de revelar a luz e de expressar as sombras. Imaginava-as como seres imensos viajando pelo céu do mundo. Numa aventura mitológica. As tempestades. Os raios. Os trovões. Os dias calmos e magníficos com lindas nuvens passando no silêncio da tarde. Aterrorizando-nos nas noites de tempestade. Sonho que as nuvens carregam a imaginação humana. Desenhando e escrevendo em suas formas e volume. Sobre tudo. Numa uma dimensão inusitada. Mitológica dimensão. Espanto e dádiva sublime. As nuvens declamam todos os dias maravilhosos poemas épicos da água. Contam sobre a natureza da vida.... Implacáveis. Delicadas. Poderosas. Dramáticas. Redentoras. Proféticas. Destino destruidor. Graça salvadora. A eterna e divina providência da água.


(Estes são trabalhos de fotomontagem digital a partir de fotografias de nuvens em seus vários estados que eu mesmo faço. As imagens são reprocessadas ​​em um software simples. Sem mudanças exageradas, sem que nenhum alongamento ou distorção. Apenas são intensificadas ou mitigadas algumas cores assim como as relações entre o claro e o escuro. A intenção final é produzir grandes painéis a partir destas foto montagens. Na imagem acima, um exemplo de materialização de uma dessas fotomontagens).




Clouds are the poems that water writes…

My poetic life certainly begins when I was a child and used to watch the clouds when I was lying on the ground. Looking its wonderful and mysterious quality. The clouds always impressed me immensely. Early in the morning I used to run to see how they were getting up to the new day. Were they loaded and heavy? Were they light high into the sky? Black and fearful? Soft and blissful? The shapes that clouds make always provoked my imagination. Its magnitude. Floating. Floating water. Giants. Countless possibilities of forms. Limitless ability to reveal the light and shadows, to express a sacred world. Silently. Imagined them as huge beings traveling through the sky land. A mythological adventure. Storms. The rays. Thunders. Peaceful and stunning days with beautiful clouds passing through the shiny afternoon. Terrorizing us in the stormy nights. I wonder that the clouds carry the human imagination. Drawing and writing in its forms and volume. About everything. With an unusual dimension. Mythological dimension. Amazement and sublime gift. The clouds declaim all wonderful days epic poems of water. Telling about the nature of life... Relentless. Delicate. Powerful. Dramatic. Redemptive. Prophetic. Destructive fate. Saving grace. The eternal and divine mercy of water.


(These are digital photomontage works from photographs of clouds in its various states which I do by myself. The images are reprocessed in a single software. Without several changes, without either stretching or distorting. Only are intensified or mitigated some colors and the relationship between light and dark as well. The ultimate intention is to produce large panels from these photomontages).

21 de ago. de 2015

O Poema Arcaico (apresentação de mestrado)

“O Buda, a Divindade, mora tão confortavelmente
nos circuitos de um computador digital
ou nas engrenagens de uma transmissão de motocicleta
quanto no pico de uma montanha ou nas pétalas de uma flor.
Pensar de outra maneira é aviltar o Buda,
o que significa aviltar-se a si mesmo.”

Robert Pirsig[1]




O Poema Arcaico (apresentação)


Este trabalho oferece uma aproximação intuitiva a alguns possíveis elementos inerentes aos processos de criação artística e de desenvolvimento e organização de atividades artísticas voltadas ao cultivo da imaginação através de propostas em educação estética. A necessidade em elaborá-lo nasce de minha própria experiência profissional e procura apresentar aquilo que acredito são fundamentos primitivos importantes que podem ajudar principalmente àqueles profissionais da educação que buscam alternativas às propostas estritamente racionalizadas nesse universo, que promovem formas de trabalho desumanizadas muito ligadas à nossa sociedade urbana, industrial e de consumo a que todos nós estamos sujeitos pela coerção institucional e burocrática.
Também quer oferecer uma resposta à face institucional e formalizante da educação, literalizada principalmente na escola, que organiza uma constante banalização da dinâmica mística da imaginação humana. Aquela face que não se olha, ou que faz isto com hipocrisia funcionalista. É aquela que julga sempre estar em condições de prover aquilo que acredita faltar a seus alunos mesmo estando ela própria cheia de falhas. É uma educação marcial, da maioria, não artesanal, não artística, a que homogeneíza e simplifica sem entender o que a influencia. É aquela que não é real, mas que afirma realidades arbitrárias. Estes aspectos são os de uma condição psicosociológica que, embora tenha muitas máscaras até bem atraentes, está enamorada da arbitrariedade e da simplificação do conhecimento através da fragmentação e da redução da alma humana à personalidade meramente funcionalista. É, antes de tudo, a educação que acredito ter vivenciado.
Ali o artístico estava banido, e esse banimento estará sempre relacionado nem tanto à sua tecnologia, porque esta muitas vezes aparece, ou na forma de desenvolvimento de certa competência mecânica de manufatura ou como formalidades de entretenimento, mas, ao fato de que nunca algum elemento do processo artístico é trabalhado em sua noção poética. O tempo artístico, a vocação para ver a vida na sua integralidade, metaforicamente, a laboração de significados profundos, a sacralidade e o ritual que essa condição poética exige em seu cotidiano são desprezados e não fazem parte das habilidades práticas que se busca treinar. Não é a imaginação livre para encontrar seus caminhos até essa alma humana que se trabalha, mas a mecanicidade que apenas qualifica um processo mesquinho de produção sempre em busca de resultados quantificados. Esse pouco que sobra de uma alma artística é mantido apenas para reafirmar um mundo pragmático e nunca para recriá-lo.
Porém, mesmo imerso como todos nesta sociedade embrutecida, encontrei alento na imaginação, também como muitos outros seres humanos, e desde criança escrevo poemas e desenho, influenciado por meu pai, Fernando Catani, que lançou dois livros independentes de poesias e tinha uma forte convivência com o meio artístico e cultural brasileiro até meados dos anos 60. De maneira peculiar, nunca senti ter perdido aquela ingenuidade infantil que movia minha necessidade de fazer algo relacionado a essas formas de criação imaginativa e, em muitos momentos, esforcei-me em cultivá-la. Adulto, cheguei a representar Campinas pelo Mapa Cultural Paulista de 1997, na categoria literatura com um poema que está numa publicação independente de alguns poemas meus.

 Eu e o mundo a que pertenço
As qualidades e suas sombras úmidas
A memória nítida de um dia
Quando o fogo dormiu a meu lado
Dos tempos destes sinais
Que de tribos de aspecto fatal
Somos tristes pátinas fósseis
Lugares da infância
Digna tolerância do absurdo
Moradas do espanto inócuo
Penso como flores maduras
Dias absortamente vividos
Nestas falsas estruturas românticas
Folhas de nossa amizade distante
Sobras de uma mesa de anjos



Praticando o que se costumava chamar de artes plásticas desde 1983, realizei exposições em várias cidades do Estado de São Paulo e em outros estados enquanto também expunha em feiras de arte e artesanato. Fui selecionado em duas Bienais Nacionais de Santos. Obtive algumas premiações oficiais de importância regional, como o Prêmio Estímulo de Campinas de 1994 para uma exposição de pinturas individual no MAC-Campinas.  Em 2005 expus obras em batik na cidade italiana de Perugia como parte de um projeto de valorização do artesanato brasileiro.
Sou graduado em Pedagogia pela Unicamp em 2004. Mas, como profissional da educação, pratiquei o que comumente denominam arte-educação em escolas e em projetos sociais desde 1994 e atuei em instituições de educação não-formal com crianças e adolescentes. Também participei de alguns projetos para formação de professores tanto da rede pública como de escolas particulares. Tive uma experiência no trabalho com oficinas culturais entre adolescentes internos na Febem, pelo projeto Febem-Arte, durante dois anos e que gerou e foi o tema de meu trabalho de conclusão de curso, do curso de Pedagogia[2]
Importante também foi a atuação, desde 1997 e sempre como educador, em instituições que desenvolvem trabalhos de prevenção e recuperação do abuso de drogas. Em 2006 idealizei o projeto Ateliê Néos de Educação Poética, onde já realizei e coordenei mais de 1000 horas/aula nas chamadas oficinas culturais com recursos gerados pelo próprio projeto, por parceiros privados, pelo Governo do Estado de São Paulo e também pela Prefeitura Municipal de Campinas.
Em minha experiência com a intenção artística sempre ocorreu uma forte ligação com o desenho e a pintura por uma tradição e convivência com esses gêneros, porém, também elaborei algumas obras tridimensionais que utilizavam uma montagem com materiais diversos, mas enfatizando o uso do vidro/espelho, de mobília de madeira calcinada e de objetos de ferro-velho. Essas obras, os desenhos, as pinturas e as montagens tridimensionais (que em alguns projetos tomavam forma de inserções de execução simples sobre monumentos públicos), buscam sempre uma perspectiva de alma e de um arquétipo total[3], considerando as palavras de James Hillman:

 “Por alma entendo, antes de mais nada, uma perspectiva mais do que uma substância, um ponto de vista sobre as coisas mais do que a coisa em si... A alma é um conceito deliberadamente ambíguo que resiste a toda definição” [4].

Também me preocupo, na execução dessas obras artísticas, em cultivar uma reflexão sobre dois aspectos que julgo mais influentes na problemática psicossociológica da civilização humana contemporânea: o medo e a ilusão, ao mesmo tempo em que é uma elaboração do que eu chamo de ícones máximos, ou seja, quero sempre criar a cada obra um ícone total da Divindade, num poema arcaico, onde todos os arquétipos possam ser reconhecidos. Retorno a arché dos primeiros filósofos, ao devaneio pelo princípio absoluto[5].

“A universalidade de uma imagem arquetípica significa também que a resposta à imagem implica mais do que conseqüências pessoais, ampliando a alma para além de seus confins egocêntricos e alargando os eventos da natureza de distintas particularidades atômicas para sinais estéticos que trazem informação para a alma”[6].

Em todos estes trabalhos o que sempre fica em evidência, para mim, é uma intenção de profetização delirante da presença da Divindade, uma veneração e uma religiosidade sobre o instante do eterno presente, que está sempre cercado, como disse, pelo medo e pela ilusão nascidos na mente humana como elementos psicológicos do passado e do futuro, como únicas figuras que tendem a tentar escapar do instante da presença da Divindade. A obra é o altar em que o instante será sempre adorado e cultuado para que não seja banalizado pela displicência da certeza de uma continuidade que se entrega ou a esse medo ou a essa ilusão. E, para entender sobre o instante, em seu drama poético, rendo-me a Bachelard:



“A poesia é uma metafísica instantânea. Num curto poema, ela deve dar uma visão do universo e o segredo de uma alma, um ser e objetos, tudo ao mesmo tempo. Se segue simplesmente o tempo da vida, ela é menos que esta; só pode ser mais que a vida imobilizando-a, vivendo no próprio lugar a dialética das alegrias e das dores. Ela é, então, o princípio de uma simultaneidade essencial em que o ser mais disperso, mais desunido, conquista sua unidade”.[7]

Por isso o pequeno trecho de texto entre aspas no início deste capítulo, define o objetivo deste e de todos os meus trabalhos e do próprio entusiasmo de minha existência. Tenho plena e total convicção da afirmação deste enunciado, mesmo antes de tê-lo encontrado. Não se trata, porém, da adoção de qualquer crença religiosa ou de qualquer complexo e hipertrofiado sistema de explicação do mundo, mas, muito antes disso, da admissão de que é a própria característica, a essência da Divindade, estar presente em tudo e que esta presença é, no caso do ser humano, a essência de um movimento entre a imaginação poética, a materialização estética e a profunda relação entre estes dois estados. Esta perspectiva afirma aqui uma qualidade humana muito importante para este trabalho, a de que este ente humano é, antes de tudo, um imaginador. Aqui também o caminho para a compreensão desta qualidade específica começa a partir das reflexões de James Hillman:

“O cultivo da alma é também descrito como imaginar, ou seja, ver e ouvir por meio de uma imaginação que enxerga a sua imagem através de um evento. Imaginar significa libertar os eventos de sua compreensão literal para uma apreciação mítica. Cultivo da alma, neste sentido, equipara-se com des-literalização; aquela atitude psicológica que suspeita do nível dado e ingênuo dos acontecimentos e o rejeita para explorar seus significados sombrios e metafóricos para a alma”[8]

Como artista, educador e, principalmente, como um ente humano imaginador, meu único objetivo é expandir a idéia de que sem a consciência da afirmação do início deste capítulo nenhuma criação é verdadeiramente possível e nenhum problema humano poderá ser elaborado livremente. Buscarei demonstrar neste trabalho, a partir dessas premissas, apenas algumas particularidades dessa condição, não para construir mais uma teoria especulativa, mas para testemunhar uma situação de minha vida que me afeta honesta e profundamente.
Com a necessidade de ajuda para os estudos deste trabalho, encontrei apoio nas abordagens para o estudo das imagens elaboradas pelo Grupo de Estudos Audiovisuais OLHO, da Faculdade de Educação da Unicamp através, principalmente, da dedicada atenção do professor Carlos Miranda, a este agradeço desde já. Entre os autores “de fundo”, ou seja, que foram estudados aleatoriamente ao longo da minha vida, mas que influenciam diretamente cada palavra deste texto, está, principalmente, Jiddu Krishmamurti nas suas inúmeras palestras transcritas em que a proposta de conhecer o mundo e a mim mesmo diretamente e pela rejeição à qualquer autoridade imposta ficou como o seu maior legado. O alerta para não me deixar levar por especulações hipertrofiadas geradas nas institucionalizações de idéias, e a constante indicação de um mundo incognoscível ao meu redor em sua maravilhosa e indescritível imensidão é o que alimenta a vontade de demonstrar a intuição que tentarei expor neste trabalho. Seus pensamentos permeiam toda a experiência que realizo.
“O Mito de Sísifo”, de Albert Camus, apresenta-me um aprofundamento de reflexão que marca um dos meus primeiros movimentos de aproximação à preocupação em relação aos processos de criação artísticos e a intuição do drama que os fomenta.

“De todas as escolas da paciência e da lucidez, a criação é a mais eficaz. É também o assombroso testemunho da única dignidade do homem: a revolta tenaz contra a sua condição, a perseverança num esforço tido por estéril. Exige um esforço quotidiano, o domínio de nós próprios, a apreciação exata dos limites do verdadeiro, a medida e a força. Constitui uma ascese. Tudo isto ‘para nada’, para repetir e espezinhar. Mas talvez que a grande obra de arte tenha menos importância em si própria do que na provação que exige de um homem e na ocasião que ela lhe oferece de vencer os seus fantasmas e de se aproximar um pouco mais da sua realidade nua”.[9]

  “Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas” de Robert Pirsig, obra que contem o texto do início desta apresentação, está sempre em mim e aparece como uma memória de um mundo de devaneios delicadamente melancólico que nunca me abandona desde sua primeira leitura. Outra influência é toda obra do antropólogo e escritor Carlos Castaneda em que relata a convivência com a personagem do índio mexicano Dom Juan. Importantíssimos também são as leituras dos textos, chamados de evangelhos, que pretendem relatar a vida e os pensamentos atribuídos a Jesus Cristo. Pier Paolo Passolini é também outra referência implícita, porém, colhida em estudos aleatórios. Um outro texto em especial figura como uma base psicológica de meu imaginário e dialoga com todos os outros, é “Apologia de Sócrates” de Platão, sem dúvida nenhuma um dos textos que mais me interessaram na vida. Outros, cada um com certa importância, estão relacionados na bibliografia.
Dentre os que já são relacionados a estudos específicos, o clássico livro de Andrei Tarkovski, “Esculpir o Tempo”, que é peça insubstituível quando instiga à liberdade de uma vida espiritual pelo impulso artístico. Esta obra é muito importante aqui, pois dará a este trabalho referências contemporâneas para as reflexões sobre os processos imaginativos que observo. Mais dois autores foram adotados como fundamentação direta de estudo deste trabalho. Um, muito importante, é Gaston Bachelard. Porém, embora eu procure ler e citar várias de suas obras por uma paixão pessoal pelo seu trabalho monumental, aqui, apenas um pequeno livro seu, “A Intuição do Instante”, mostrou-me um apoio para encontrar o cerne de toda proposição desenvolvida neste trabalho. O outro autor, James Hillman, é também fundamental para este estudo e, da mesma forma, embora tenha já tido contato com algumas de suas obras, a que é relevante aqui é “Psicologia Arquetípica”. Este pequeno livro define e orienta toda minha reflexão acerca dos movimentos do que entendo seja a alma e o espírito humanos.  Juntos, estes dois trabalhos fascinantes nutrem toda minha expectativa em relação aos fundamentos conceituais para o que espero criar neste texto.
De uma maneira inexorável sempre estive impressionado por essa idéia de que a divindade está em tudo, aliado a uma extrema atração por imagens elaboradas com simplicidade e uma paixão pelas coisas que expressassem uma estética rústica, primitiva, das coisas no estado de presente absoluto, numa manutenção sem reforma, pela afeição única ao estado presente intocado das coisas em seu processo de desgaste como resultado da sua própria existência. Encontrei ressonância desta minha paixão na poética e na estética do “Wabi Sabi”[10].
Esse termo, originário do Japão, é uma espécie de aproximação filosófica e poética à vida, próxima ao Zen Budismo e de difícil tradução e, embora existam alguns textos que busquem definí-lo, não possui teorias sistematicamente elaboradas e muito menos fundadores nomeados. Pessoalmente, diria que é uma manutenção poética das coisas, uma forma de artesanato da contemplação que trabalha em parceria com o próprio desgaste do tempo sobre as coisas. Estabeleci uma relação de uma frase recorrente da personagem Don Juan de Carlos Castaneda e a compreensão do que eu mesmo entendo por “Wabi Sabi”, quando este autor cita o poeta mexicano José Gorostiza:

“... este incessante morrer obstinado,
esta morte vivente,
que te retalha, oh, Deus,
em Tua rigorosa obra
nas rosas, nas pedras,
nos astros indomáveis
e na carne que se queima,
como uma fogueira acesa por uma música,
um sonho,
um matiz que atinge o olho,
...e Tu, Tu próprio,
talvez tenha morrido eternidades de eras aí fora,
sem que saibamos a respeito,
nos refugos, migalhas, cinzas de Ti;
Tu que ainda estás presente,
como um astro imitado por sua própria luz,
uma luz vazia sem astros
que nos alcança,
escondendo
sua infinita catástrofe.”[11]


Estou cercado e sou parte desta “morte vivente”. Este aspecto me serve aqui para dar um timbre e uma pátina específicos ao trabalho que este estudo se propõe. Quando abordar as imagens será sempre olhando através desta intenção.
Estas referências alinham-se a uma outra proposição que sempre me encantou, a Alquimia. Porém, me interessa aqui essencialmente por seu aspecto de singularidade, de simplicidade e primitivismo como, por exemplo, o V.I.T.R.I.O.L. “Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem”. Explora o interior da terra. Retificando, descobrirás a pedra oculta. Esta é uma fórmula célebre entre os alquimistas e que, de certa maneira, condensa a doutrina. É também o mesmo nome dado à flos coeli (flor do céu) o orvalho colhido pelo alquimista para realizar a obra alquímica: O Vitríolo vegetal, gordura do orvalho, espuma da primavera, princípio da vida celeste, manteiga mágica[12]. Visitei o que essa explicação é para mim. Essa proposição é uma ordem fundante da insondável história da Alquimia, mas, a tomo aqui me aproximando de seu aspecto filosófico, poético e metafórico.
A realização alquímica que admito me sugere mais uma realização espiritual, de encontro espontâneo com a rusticidade da alma, do que um sistema de técnicas científicas complicadas e da sistematização especulativa que algum de seus supostos praticantes desenvolveram. O momento da proposta da Alquimia que interessa aqui é, então, apenas o instante exato em que “Na noite escura o jovem buscador sonha. Os anjos o despertam para que dê início ao trabalho da Grande Obra”[13]






Minha referência a essa temática vem principalmente da contemplação das imagens contidas no “Mutus Liber” e do estudo da significação dos termos, nomenclatura, objetos e atos ligados ao trabalho alquímico em si mesmos. O que se mostra mais importante para mim neste universo imagético da Alquimia, e que é referência para este trabalho, é que todas as coisas devem e tem o poder de revelar essa qualidade sagrada por si só. Isso é claramente expresso na proposição do VITRIOL. Pois, acredito que a fundamental indicação desta proposta não se trata de ver coisas importantes em lugares importantes, mas sim de ver coisas importantes em qualquer lugar.
Bem, imerso neste universo, num belo dia, surgiu uma necessidade específica desse meu trabalho como arte-educador, devido a uma exigência  de um curso de capacitação de professores em que eu deveria expor sobre a divisão da história da arte em períodos históricos. Resolvi olhar para esse tema e tentar encontrar nele essa aproximação espiritual. O pedido era expor superficialmente o tema dos períodos da história da arte e mostrar as principais imagens relacionadas a estes: Arte Primitiva - Arte Antiga - Arte Medieval - Arte Renascentista - Arte Moderna - Arte Contemporânea.
Na preparação para a exposição não me interessei por descrever os períodos, analisá-los, provar sua veracidade ou depor contra isso. Simplesmente esse fato foi o estopim para uma descoberta importante para mim, porque acreditei que poderia ser o momento e a oportunidade de estudar e demonstrar algo que já intuía fortemente. Atraiu-me também o fato de que estudaria não somente os conceitos, mas algumas imagens relacionadas aos períodos.
Embora esta divisão já seja, de certa maneira, um senso comum, há uma referência de estudo no o famoso livro de Arnold Hauser[15] em que esta mesma divisão encontra uma justificativa, todavia, um tanto mais elaborada. Porém, tomei-a na sua forma mais aceita (o que se confirmou entre as pessoas cuja explanação se destinava na ocasião). Busquei primeiramente as imagens das obras referentes com uma estreita relação com as características convencionais de cada período (principalmente datação) e mais acessíveis que encontrei, pois era necessário partir do que estivesse mais próximo, porque não seria uma pesquisa por imagens inéditas, mas sim um mergulho, e um mergulho vai da superfície ao fundo. E, na proposta do presente estudo isso é o mesmo que dizer, como defenderei, da estética à poética, ou seja, do espírito à alma.

“É uma particularidade da alma ser não apenas mãe e origem de toda ação humana, como também expressar-se em todas as formas e atividades do espírito; não podemos encontrar em parte alguma a essência da alma em si mesma, mas somente percebê-la e compreendê-la em suas múltiplas formas de manifestação”.[16]

Quando comecei a observar a estética de cada período, claro, expressa nas imagens dadas que as representavam, comecei instintivamente a refletir imaginativamente sobre os momentos de realização dessas obras, a contextualizá-los, a buscar por biografias e fatos relacionados às imagens que estavam ali defendendo cada recorte. Essa intuição devaneou para o reconhecimento de uma qualidade externa e uma interna que cada imagem parecia conservar. Influenciei-me aqui pela assertiva de James Hillman que sempre me intrigava: “o espírito está nos picos, a alma está nos vales”[17]. Tomei a frase em si mesma e repetia sua leitura, como um mantra religioso, porque algo parecia saltar de dentro desta frase que era exatamente o que eu intuía em alguns instantes de meus devaneios. Mas o que seria o espírito das coisas e o que seria a alma das coisas quando olho para os períodos. Caminhei da superfície estética à profundidade poética de cada imagem que encontrava. Do espírito manifesto e iluminado à alma profunda e protegida. Foi uma visão e eu continuei a devanear sobre ela nomeando o que percebia como uma espécie de disposições poético/estéticas que acredito apareciam coincidentemente entre as imagens de cada período. Disposições com uma face estética e uma noção poética permanente, reconhecidas em cada imagem atribuída a um mesmo período.
Discorrerei neste trabalho sobre uma visão específica da alma artística. Entendi que deveria abordar o movimento da imaginação na idéia dos períodos para reescrevê-lo espiritualmente a partir do que me provocavam internamente, de como me afetavam a memória. Busquei, então, encontrar antes de tudo uma imagem arquetípica que melhor evocasse a alma e o espírito. Que pudesse me colocar, de acordo com meu anseio, no ponto mais atávico e rústico possível e que, apesar de geralmente já estar apropriada por diversos sistemas imagéticos organizados, poderia ser estudada independentemente destes para estabelecer um campo psicológico no qual eu contemplaria posteriormente as imagens contextualizadas relativas aos períodos. Escolhi a Trindade, a guardiã do eterno. A imagem da Trindade que mais se aproximou do teor de que minha imaginação necessitava abordar neste estudo foi a da Triquetra.
A partir desta posição inicial da Trindade e, antes ainda de partir para o estudo as imagens relativas aos períodos, julguei também necessário demarcar algumas fronteiras da imaginação, principalmente as que me pareciam sugeridas a partir da metáfora da alma no vale e do espírito no pico, relacionando-as à intuição do instante. A importância que dou a essa “localização” da relação entre alma-espírito-metáfora, fica mais clara nesta afirmação de James Hillman, “O logos da alma, isto é, seu verdadeiro discurso, será num estilo imagético, um relato que é totalmente metafórico”[18]
Escolhi para a alma o prumo e para o espírito o zodíaco, porque para além dessas fronteiras, tanto no fundo vertical da alma como no ápice esférico do espírito, não vejo mais imagens, não encontro mais metáforas, não encontro mais mitologia, só há o silêncio do desconhecido. Pois, claro, a imaginação humana tem o limite e a escala anímico-espiritual do ser humano. É novamente Gaston Bachelard que me ajuda aqui quando escreve que “toda imagem é uma operação do espírito humano; tem um princípio espiritual interno mesmo quando a julgamos um simples reflexo do mundo exterior”[19]. Assim, tentei encontrar uma imagem da alma mais funda e uma imagem do espírito mais alta para demarcar o lugar da imaginação, para assim me aproximar em certa segurança do abismo da eternidade que estas fronteiras permeiam.
Neste caminho, descobri que uma constelação ficou de fora do zodíaco, o Ophiuchus, ou serpentário. Tive uma intuição interessante sobre essa situação da décima terceira constelação, e o fato de esta estar excluída. Assim também é a condição do quatro na sua relação com a Trindade que, como escreve Goethe “nós trouxemos três, o quarto não quis vir conosco: ele diz que é o único verdadeiro, que pensa por todos os outros”[20]. O diálogo destas duas situações imagéticas, do treze e do quatro, com minha investigação sobre minha idéia das fronteiras me levaram a ligá-las também uma relação estreita com a imagética das esferas infernais, o que me fez refletir numa interessante condição das imagens ligadas a estas peças, que também as torna uma fronteira da imaginação. Para a estudo do imaginário que as liga ao mundo infernal, relaciona-las-ei, principalmente a partir de sua situação de exclusão, a duas interessantes entidades demoníacas, Arimã e Lúcifer, através do estudo da interessante visão que tive da permanência das características poético/estéticas destas duas figuras arquetípicas em duas performances musicais, um da banda U2 e o outra da banda Rolling Stones.
O principal elemento desse movimento de minha imaginação, que desencadeia todo processo de criação a que me dedico é o devaneio.  É um estado psicológico que entendo seja encontrado numa fresta entre a vigília e o sonho. Para mim, somente este estado pode estabelecer um diálogo entre estas duas situações, tão fortemente ligadas à condição humana, para criar imagens importantes. Estas reflexões estão magistralmente expostas na obra de Gaston Bachelard, “A Poética do Devaneio”[21], mas já estavam esboçadas numa obra anterior, “A Pisicanálise do Fogo”, da qual retirei esta citação, fundamental para este trabalho:

“Esse devaneio é extremamente diferente do sonho pelo próprio fato de se achar sempre mais ou menos centrado num objeto. O sonho avança linearmente, esquecendo seu caminho à medida que avança. O devaneio opera como estrela. Retorna a seu centro para emitir novos raios”[22].

Marcadas as fronteiras e estabelecidas as referências em que meu imaginário acerca das intuições provocadas pelo mote deste estudo se deslocaria, aparecem-me, num devaneio de uma mística fusão entre a estética que eu vi e a poética que eu intuí pertencerem aos períodos diante das imagens relacionadas a cada um destes, doze disposições, seis anímicas e seis espirituais, dispostas em duplas que, contextualizadas a cada período, revelavam um aspecto materializado e um de impulsão que me pareciam coincidir com o contexto psicossociológico referente aos períodos a que eram associados e, embora pudesse encontrar todas as disposições em todos os períodos, creio que cada dupla apareceu com mais intensidade em um período em especial. Para ampliar as possibilidades de observação destas reflexões e meus devaneios costumo criar o que chamo de “gráficos poéticos”. Elaborei para este trabalho alguns que, aliados à leitura do texto, podem representar uma interessante maneira de aproximação ao tema proposto aqui[23].
Assim, relacionei uma estética de ritual ao um impulso poético de ritmo principalmente nas imagens e no contexto atribuídos ao período da chamada arte primitiva. Uma estética mitológica a um impulso de reflexão poética que estavam mais evidentes nas imagens e contexto da chamada arte antiga. Uma estética de religiosidade com seu constante exercício poético de devoção ocorriam de forma mais aparente no período dito arte medieval. Uma experiência estética intensa de humanidade que sugere uma consciência de identidade poética esteve sempre claramente evidente nas realizações amplamente divulgadas da chamada arte renascentista. Uma estética focada na construção da sociedade que se esforça para a dinamização de significados poéticos surgia com maior força nas criações da arte moderna. E, finalmente, uma estética de panculturalidade amparada por uma determinação de equanimidade poética era mais potente nas situações artísticas do que comumente se chama arte contemporânea.
A partir disso, decidi eleger apenas uma imagem para cada um dos seis períodos que conservasse intensamente cada uma das seis duplas de disposições que eu vislumbrava, pois o objetivo não era teorizar os períodos ou dissecar as obras, mas estudar minha intuição desta estranha aparição conceitual. As imagens são aqui o amparo para meu devaneio. Estudei a historicidade e algumas estórias, lendas, mitos e biografias, em livros e documentários audiovisuais que consegui encontrar, relativas a cada período e os relacionei tudo isso aos meus devaneios acerca das disposições que visionei. Durante este exercício sempre tive a sensação de que seria necessário destilar mais uma vez esses elementos, pois, na continuidade desse meu trabalho imaginativo percebi um outro curioso movimento revelado em cada dupla das disposições que sibilava um novo tom criado a partir da contemplação da interação entre as duplas de disposições.
Como quando surge uma outra cor no efeito ótico entre o movimento de duas cores, surgiu-me um vulto, um mote entre os dois vetores de cada dupla disposição, uma idéia que me sugeria a aparição de um grande teor primitivo, figurando como uma energia psíquica, com um aspecto rústico, atávico, uma potência andrógina da criação artística que se alimentava da movimentação entre cada dupla de conceitos que chamei de disposições do processo de criação artística. Associei imediatamente essa minha visão a uma afirmação de Gaston Bachelard que também sempre estava latente e intrigante para mim:

 “Com efeito, as condições antigas do devaneio não são eliminadas pela formação científica contemporânea. O próprio cientista, quando abandona seu trabalho, retorna às valorizações primitivas. Seria inútil, portanto, descrever, na linha de uma história, um pensamento que não cessa de contradizer os ensinamentos da história científica. Ao contrário, dedicaremos uma parte de nossos esforços a mostrar que o devaneio não cessa de retomar os temas primitivos, não cessa de trabalhar como uma alma primitiva, a despeito do pensamento elaborado, contra a própria instrução das experiências científicas”[24]

Vi que, à minha maneira, havia encontrado uma pista daquilo que eu intuía serem os temas primitivos a que, segundo Bachelard, todos nós retornamos.  Chamei meu delírio de “seis temas primitivos da alma artística”, também o associei a uma outra imagem da Alquimia, a rosa de seis pétalas, que figura como um dos símbolos da pedra filosofal, e acreditei que assim, para mim, esse seria o resultado do trabalho espiritual de minha imaginação desde a primeira observação dos períodos da história da arte. Comecei, então, a trabalhar sempre os tendo como o principal arquétipo envolvido nos processos da criação artística. Montava os cursos, as aulas, as oficinas culturais e minhas próprias tentativas de elaboração artística, implicitamente possuído por esse devaneio, por esse encantamento que inventei para minha vida e que me deixa extremamente alerta, pleno e alegre em persegui-lo.
Os seis temas primitivos que se revelaram a mim são uma potência de cada dupla de disposições que creio sejam o esteio do processo de criação artístico, seja qual for a qualidade, tipo, maneira de cada relação estético/poética, espírito/anímicas. Assim, na disposição do ritual/ritmo vibra o tema primitivo do Tempo. Nas disposições dinamização/sociedade aparece o tema do Ser. Nas disposições devoção/religiosidadeo figura tema do Sacrifício. Da relação equanimidade/panculturalidade pulsa o tema da União. Na dupla identidade/humanidade, o tema da Verdade. Nas disposições reflexão/mitologia aparece o tema do Divino.
Acredito que seja qual for a obra artística que observar, poderia destilar estes mesmos temas e encontrá-los como a matéria prima de qualquer criação poético/estética. Na verdade, acredito que poderia destilá-los de qualquer criação humana, sem nenhuma restrição, pois acredito que toda realização ou ato humano é poético/estético desta mesma maneira. A Divindade está em tudo e os temas primitivos são, para mim, uma manifestação delirante e arquetípica da Divindade. Por isso, para demonstrar essa qualidade decidi também apresentar uma parábola para cada um dos seis temas primitivos, tiradas de trechos de filmes. Acredito que em cada recorte desses, colhidos de sequências corridas, sem nenhuma montagem, poderei criar uma oportunidade de aproximação metafórica aos temas primitivos, propiciando, além do texto que escrevi, também uma reflexão imagética que possa ampliar a relação do leitor com a proposta deste trabalho. 
Espero, então, que a escolha destas imagens me coloquem em momentos iniciáticos, pois sempre foi meu interesse mais profundo encontrar a Divindade das coisas sem intermediários e sem tradutores especulativos. Quando preciso encontrar referências, as busco naqueles que cuidam para não doutrinar, mas sim que me empurram conhecimento adentro.
Bem, qual seria a importância de um trabalho com a pretensão de desconstrução da idéia dos períodos da história da arte para encontrar a Divindade em temas primitivos inventados por mim? Seria, principalmente, a de reencontrar uma reflexão e uma condição humana espiritualizada, sacralizada, porque não consigo assimilar a imensidão do universo que me cerca sem me render a uma postura de reverência e admiração.
Neste estado, buscarei seguir para demonstrar a força e a necessidade de uma aproximação constante ao universo artístico e me dedicarei a oferecer ao leitor um lugar de contemplação desses temas primitivos que eu mesmo vislumbrei. Minha intenção é que isso possa ser tão interessante a quem ler esse trabalho como tem sido para mim, e assim contribuir para indicar uma nuança específica, uma visão poética do mundo que nos cerca, chamar a atenção para a grandeza de qualidade espiritual de nossa existência e testemunhar pela necessidade de reconhecer a vida por mim mesmo, imerso nessa assombrosa eternidade do instante.







[1] (PIRSIG,1984:24)

[2] (CATANI, 2004)
[3] Algumas de minhas obras artísticas, assim como algumas obras resultantes de meu trabalho como educador estão aqui incluídas no tópico Imagens, a partir da página 35.
[4] (HILLMAN,1983:40).  
[5] (CHAUÍ,1994:41)
[6] (HILLMAN,1983:34).
[7] (BACHELARD,2007:99) 
[8] (HILLMAN,1983:55)
[9] (CAMUS,1943:141)
[10](BROWN,2007)
[11] (CASTANEDA,1988:120)
[12] (CARVALHO,1995:92).
[13] (CARVALHO,1995:38)
[14] (CARVALHO,1995:39)
[15](HAUSER,2003)
[16] (JUNG,1985:74)
[17] (HILLMAN,1983:15)
[18](HILLMAN,1983:46)
[19](BACHELARD,2001:41)
[20](JUNG,1994:52)
[21](BACHELARD, 2001ª)
[22](BACHELARD, 1999ª:22)
[23] Ver os gráficos poéticos nas páginas 69 a 75
[24] (BACHELARD,1999ª:5)  

20 de ago. de 2015

Onamazu Tattoo Studio (apresentação)









Õnamazu Tattoo Studio 





O Õnamazu Tattoo Studio nasce da parceria e da amizade entre os artistas Fernando H. Catani e Caio Jhonson. Fruto da dedicação de Fernando às artes e suas manifestações e de Caio à tatuagem e suas técnicas, o Studio Õnamazu vem oferecer a Campinas um local em que a tatuagem possa ser vivida, admirada e aprimorada constantemente. O principal objetivo do estúdio é se afirmar como um espaço para o estudo e a preservação dos estilos mais tradicionais da cultura artística da tatuagem. O Õnamazu Tattoo Studio mantém um projeto de abrir seu espaço para artistas tatuadores convidados que em temporadas esporádicas oferecerão seu trabalho aos clientes interessados. 



A origem do nome do Onamazu Tattoo 


O Namazu (ou Onamazu, que tem agregado o "O" como um título que sugere: "o grande") é um peixe bagre negro azulado que aparece nas lendas da cultura antiga japonesa como uma divindade do rio, sempre associada às inundações ou chuvas fortes. Sua aparição sobrenatural nas lendas é considerada como uma premonição de perigo, advertindo as pessoas de uma catástrofe iminente ou mesmo engolindo perigosos dragões de água, o que, principalmente, impede novos desastres. Embora com o tempo algumas de suas representações também o apontem como sendo o responsável por provocar os tsunamis, mesmo assim carrega um poderoso simbolismo positivo, pois, mesmo que muitas vezes associado às tragédias da natureza, fazia com que as pessoas se unissem antecipadamente para ajudarem-se mutuamente e prepararem-se para o pior. A mitologia contida nas ações do Namazu conquista, desta maneira, o seu mais profundo sentido simbólico, sugerindo ser um castigo à ganância humana, pois, acreditava-se que o chamado peixe-gato, sempre associado a essas devastadoras catástrofes naturais, obrigava as pessoas a redistribuir igualmente a sua riqueza acumulada, abrindo mão de seu individualismo e permitindo a reconstrução comunitária e altruísta do local onde viviam. Deste modo, o peixe Namazu ficou conhecido como "Yonaoshi Daimyojin", o deus da retificação do mundo. 


Caio Johnson (tatuador) 


Tatuador profissional desde 2009, Caio Johnson tem um histórico profundamente ligado ao desenho e uma ampla capacidade para criar, tanto nos seus trabalhos artísticos como nas tatuagens que desenvolve, dentro dos mais variados estilos e propostas. Interessado desde criança pela cultura dos quadrinhos e dos grandes filmes de animação japoneses, encontra na tatuagem tradicional japonesa, o Irezumi, o estilo que mais o interessa atualmente. Estudioso apaixonado de toda a mitologia envolvida nessa técnica milenar nascido entre incríveis artistas da grande civilização japonesa, passa a desenvolver uma temática ligada a essa impressionante arte dessa tradição em suas atuais propostas de trabalhos como tatuador. 


O Irezumi, a tatuagem tradicional japonesa 


O Irezumi é uma técnica tão antiga que seu aparecimento e desenvolvimento são contados apenas por lendas. Representa uma vasta mitologia que envolve imagens de entidades míticas, animais surreais e sobrenaturais, seres místicos entre paisagens oníricas, elementos religiosos surgidos em pinturas e textos remotos, e também de personagens históricos do Japão ancestral. Na sua característica moderna, está tanto associado ao sentido espiritual, de proteção, resguardo ou iniciação como ao da indicação de ligação a grupos, clãs, de responsabilidades da posição social e de estilo de vida e atitude moral. Atualmente, o caráter decorativo da técnica é marcado como uma arte que se desenvolve e se aperfeiçoa ao extremo, é também amplamente adotada por pessoas de todo o mundo que buscam carregar consigo a obra de alguns desses grandes artistas, conhecidos pela sua estupenda qualidade de elaboração estética dentro do estilo.


Cuba Jones (tatuador e graphic designer)


Tatuador formado em design pela UNIP, apaixonado por música e artes, especialista no estilo tradicional norte americano, conhecido como Old School. Um diferencial do artista Cuba Jones está em criar desenhos exclusivos de acordo com a ideia do cliente. Através desta disposição por conhecer as características do desejo de cada pessoa, o artista elabora propostas inéditas de tatuagem sem repetir os resultados finais, porém, sempre incorporando os mais importantes elementos da mais pura tradição da velha escola de tatuagem, o “Old School Style”, àquilo de mais significativo e importante que o cliente deseja carregar consigo para sempre. 



Old School, tatuagem tradicional norte americana



A tatuagem como a gente conhece hoje existe há muito tempo. O estilo “Old School” remete a sua popularização nos anos 20. Os principais responsáveis pela democratização da tattoo foram os marinheiros. Era muito comum que em cada porto o marinheiro fizesse uma nova tatuagem como se fosse um “souvenir” do lugar onde estava, ou seja, o seu corpo contava a sua história. Após a 2ª guerra mundial, os jovens adeptos do “Rockabilly” trouxeram à tona o estilo “Old School”. Na época os recursos tecnológicos eram bem inferiores aos de hoje em dia e por isso tinham apenas 5 cores: preto, vermelho, marrom, amarelo e o verde. As principais características dessa escola são: traços bem marcados, desenhos mais lúdicos e cores brilhantes (dentro da paleta original). São famosas as rosas, caveiras, serpentes, panteras, borboletas, adagas, corações, andorinhas, pin-ups, caravelas, assim como inúmeros personagens comuns ao estilo que envolve também cenas do cotidiano, ídolos da cultura pop e tantas outras figuras que assumem simbolismos cômicos, do terror, do orgulho individual ou da família, dos amores partidos, das juras de amor eterno, homenagens, honrarias e da memorabília de todo tipo. “Old is cool”, Old School é história.


F.H.Catani (poeta, artista visual, educador)



Poeta e artista visual autodidata. Educador, graduado pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Mestrado em Educação (M.Ed.) por esta mesma universidade, apresentando uma dissertação sobre algumas qualidades específicas dos processos de criação artística e de observação de obras de arte. Como artista, eu trabalho em poemas e textos literários e visuais. Como educador, eu organizo atividades educacionais para o desenvolvimento de processos poéticos/estéticos da criação artística. Como pesquisador, eu estudo alguns arquétipos conceituais que eu acredito são inerentes aos mesmos processos de criação poética/ estética, assim como das obras de arte, que chamo de “A Rosa De Seis Pétalas – Temas Primitivos Da Alma Artística”. 


Blackworks & Flash Art


Neste novo projeto de F.H.Catani inicia-se, com a supervisão de Caio Jhonson, a dedicação ao universo artístico da Flash Art (que são todas as atividades artísticas ligadas à preparação dos desenhos e pinturas dos tatuadores e que representam uma forma de arte dentro do que se conhece como a Folk Art). Também o artista inicia-se como tatuador aprendiz, com a imersão em estudos e práticas relacionadas à execução de tatuagens no estilo Old School BlackWorks, em que são elaborados desenhos e tatuagens utilizando apenas a cor preta, porém, tendo somente em alguns momentos a inserção de uma outra cor, geralmente o vermelho ou o amarelo, mas de uma maneira bem reservada e em função da mesma linha artística esperada com o uso expressivo do preto. Remetendo seus trabalhos aos significados mais antigos, toscos, visando aos simbolismos ligados aos arquétipos e ao misticismo mais arcaido de uma estética absolutamente rústica, na qual se espera resultados ingênuos, em que a simplicidade dos traços numa elaboração naif, brut, expõe o maior interesse e qualidade.